Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Jogo da Vida

Futebol. Paixão nacional. Não existe coisa mais importante na vida que a paixão de um torcedor pelo seu clube. Ser torcedor é amar incondicionalmente seu time e embalá-lo nas horas dificeis, pois no momento das vitórias o coração transborda.
Futebol é coisa séria. Tão séria que a escolha do time do coração é para sempre. Se a religião não atende aos anseios da fé, se converte. Se acabou o amor, se separa. Mas o time de futebol não se muda nunca. Não se admitem no mundo viras-casaca. É antiético e imoral. Trata-se de uma responsabilidade enorme que, por óbvio, não pode ser tomada por uma criança. Criança não tem noção da importância dessa escolha. Por isso cabe ao pai indicar o caminho para se torcer para o time certo.
Quando o filho de Silas nasceu, tudo mudou. Era o fim das noitadas em bares, dos gastos descontrolados, da vida desregrada. Era preciso pensar na criação do pequeno Dudu, no seu conforto. E principalmente, era preciso garantir que ele torcesse para o Imortal Tricolor.
Na mesma hora nasceu o neto de Agenor. Seu primeiro neto. Sabia que sua filha e seu genro seriam ótimos pais, mas estava a disposição para ajudar no que fosse preciso. Mas o que afligia Agenor era o fato de sua filha, apesar de Colorada, não conseguir se impor ao seu marido. Agenor era avô há apenas alguns instantes mas já se decidira: o neto que tanto amava seria Colorado, como toda sua família.
Silas chegou no quarto onde sua esposa descansava após o parto com o filho no colo. O parto foi difícil, normal, sem anestesia. Escolha dela. Mas o desgaste e o estresse podiam ser observados em todos os membros da equipe médica ao final. Após nove meses de gestação, o primeiro filho do casal precisou de quarenta minutos para nascer. Natural que quando chegou nos braços do pai estivesse dormindo. Natural também que estivesse embrulhado nas cores do Tricolor.
Agenor fazia companhia à filha quando seu primeiro neto chegou carregado no colo do pai. Não tinha como deixar de se emocionar ao reconhecer no neto s traços de sua falecida esposa. Logo ela que passou os últimos anos de sua luta contra o câncer pedindo a sua filha por um netinho. Na porta de entrada do quarto, para que todos que passassem pelo corredor do hospital pudessem ver, uma bandeira do Colorado indicava o futuro do neto.
Dudu, recém nascido, nos braços da mãe, dormia calmamente. Silas e Agenor encaravam-se, olho no olho. Genro e sogro tinham um bom relacionamento. Costumavam sair juntos para pescar. Até dividiam as mesmas idéias políticas, votando nos mesmos candidatos. Mas eram proibidos de falar em futebol. O antagonismo de seus times e o fanatismo de cada um impossibilitava sequer que ouvissem juntos no velho radinho de pilha à rodada do Campeonato. Agenor mordia o lábio, furioso em ver seu primeiro neto nas cores do Tricolor. Sabia que teria que mudar de tática para derrotar o genro. Enquanto isso, Silas desfilava um debochado sorriso. Sabia que o sogro tentaria algo do tipo. E assim mesmo o sentimento de vitória era tão recompensador.
Impressionava o amor que pai e avô nutriam pelo pequeno Dudu. Mais impressionante ainda a devoção com que duelavam silenciosamente pela definição do time do seu coração. Os meses passavam e Silas não relaxava a vigilância sobre o sogro. A qualquer investida de Agenor para vestir Dudu com as cores do Colorado, Silas sempre aparecia com um novo brinquedo do Imortal Tricolor para reconquistar a atenção do garoto.
Dois anos após o nascimento de seu primeiro filho, Silas foi promovido no trabalho. Certamente que o aumento de salário seria bem-vindo, especialmente em vista dos planos de sua esposa engravidar novamente. Agenor ficou feliz pelo genro – afinal, fora ele quem o indicou para um antigo amigo, que após uma rodada de whisky o contratou. Sua felicidade também transbordava com a expectativa de o genro passar mais tempo na empresa. Assim teria mais tempo a sós com seu neto. Com o neto e com a missão de fazer dele um futuro torcedor do Colorado.
A tarde do sábado de inverno chegava ao fim e Silas dava graças por terminar os relatórios e poder chegar em casa para assistir ao jogo do Tricolor com seu filho Dudu. Sua esposa iria visitar umas parentes que estavam de viagem na cidade. Poderia então ficar a vontade para a partida, sem nenhum tipo de má vibração pela casa. Sentado no sofá, com um cobertor no colo e um cálice de vinho na mão, observava o pequeno Dudu a brincar. As imagens do jogo ainda não começaram a ser transmitidas, por isso o radinho estava sintonizado em AM. Quando o narrador anunciou as escalações e pronunciou o nome do Tricolor, Dudu olhou para Silas e perguntou, com a voz meiga e inocente de criança:
“Pai, eu sou Colorado?”
Silêncio. Era como se todos os sons do mundo tivessem cessado no mesmo instante. As luzes do teto começaram a girar. Pânico. Ouvir seu filho falar sempre foi um prazer para Silas. Mas aquilo era algo catastrófico. Como encarar a vida sabendo que seu filho lhe perguntava aquilo? Silas, já em pé, buscava palavras para falar, mas elas não vinham. Então conseguiu, com a calma mais falsa que já se vira:
“Filho, quem te disse isso?”
“O vô!”
Aquele velho safado. Silas sabia em seus ossos que Agenor não deixaria passar em branco a oportunidade. Quem diabos ele pensava que era? A paranóia foi tomando conta de Silas. Era óbvio. Foi o sogro quem lhe indicara para o emprego. Tudo não passava de uma sórdida armação, um plano meticulosamente calculado no qual se deixou apanhar. Só havia uma coisa a fazer.
Enquanto isso, Agenor servia um copo de seu whisky favorito para assistir ao jogo do rival pela televisão. Seu folgava na rodada, mas fanático por futebol como era, não perderia a chance de secar Tricolor. Dera até uma risada. Sentia que o jogo de hoje guardava uma surpresa. Tudo estava meticulosamente preparado. O ritual que sempre repetia antes das partidas – fossem do seu Colorado, fossem do Tricolor – não podia faltar, jamais. Meia de lã nos pés (“pé frio nunca!”), bandeira sobre a mesa, poltrona reclinada na posição mágica, whisky com o número exato de pedras de gelo. Nem lembrava mais qual a primeira vez que utilizara o ritual, mas lembrava que ele havia funcionado nos últimos títulos. Tudo estava pronto. Sentia que o jogo guardava uma suspresa, o ritual lhe dizia. Luz apagada, televisão muda, radinho de pilhas ligado. O jogo estava prestes a começar. O tão odiado Tricolor entrou em campo. E a surpresa se confirmou.
No estádio, Dudu, todo fardado de Tricolor, entrava em campo de mãos dadas com o craque do time e ídolo dos torcedores. Na beira do campo, Silas abanava para as câmeras de televisão. Quando apareceu em rede nacional, o sorriso em seu rosto dizia tudo.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

No Quarto Escuro

No quarto escuro, somente a luz vermelha do televisor desligado era visivel. Na cabeceira da cama, uma camiseta usada escondia o display do rádio-relogio que indicava ser doze pras duas da madrugada. Élio dormia um sono agitado, desconfortável com o calor. Mais que isso, dormia tristemente, depressivamente. Após rolar na cama até os lençóis cairem no chão, uma tristeza profunda fez com que acordasse quase chorando. Sabia que não havia razão para as lágrimas, mas não conseguia impedir. No quarto escuro, sentado ao pé da cama, a triste figura contorcia-se em desespero, como se uma tragédia estivesse por vir.

Fazia alguns anos que enfrentava um tristeza sem sentido. Depressão. Nem parecia mais com o jovem que alegre e de riso fácil que todos apontavam como um lider natural capaz de inspirar seus colegas. Ali, no escuro, quilos e quilos mais gordo, parecia uma sombra de ser humano, dominado pela angustia e pelo desespero de sofrer miseravelmente sem razão nenhuma. Ao pensar em como começou a tristeza, não era capaz de dizer. Buscava incessantemente uma explicação racional para explicar o ponto a que chegara. Não havia explicação nenhuma. E isso, por si só, parecia aumentar ainda mais o desespero de Élio.

Recolhido em seu quarto escuro, não permitia nem mesmo que a luz da noite adentrasse seu quarto. Achava que assim seria capaz de esconder sua fraqueza, sua maldição. De repente levantou-se. Caminhava em circulos, o rosto em lágrimas, os braços agitados, a respiração ofegante. Parecia argumentar consigo mesmo, um debate contra si próprio, e a sensação era a de que perdia a discussão. Sua agitação fez com que a angustia da tristeza aumentasse, pois não conseguia livrar-se do sentimento de miséria. Tentou lembrar de seu último sorriso, e o que lembrou foi pior que uma faca atravessando seu coração. Não entendia porque não podia ser feliz. Justo ele que tinha conquistado tudo o que sonhara, com méritos próprios. Justo ele que era tido como um jovem exemplar e pronto para o futuro. O que acontecera então que não conseguia livrar-se daquele buraco em sua alma?

O desepero foi tomando conta. Não aguentava mais. As cólicas provocadas pelos prantos há muito viraram uma dor fisica que não mais podia suportar. Onde estava a salvação? Em pé em seu quarto, seu comportamento nervoso e desesperado não era capaz de acordar sua esposa que dormia profundamente ao seu lado após um dia exaustivo de trabalho. Ao olhá-la, Élio sentiu desprezo de si próprio. Como podia deixar a mulher que amava enfrentar sozinha o fardo de manter o casamento enquanto ele fingia uma vida normal? Como podia encarar o fato de esconder-se diarimente em seu escritório, sem ter contato com outras pessoas, com vergonha do que se tornara? Não suportava a humilhação de ser menos homem do que desejava ser.

Ao natural, sem perceber, saiu do quarto caminhando. As lágrimas pararam de escorrer. Parecia firme, resoluto, como desejava diariamente. Não havia tomado nenhuma decisão. Simplesmente sabia o que fazer. Pela primeira vez em meses, tinha certeza do que fazer. Iria por um fim à depressão.

Sentado à mesa de seu escritório doméstico montado no quarto ao lado, Élio abriu a primeira gaveta do gaveteiro embutido. Do fundo, tirou de dentro o revólver calibre trinta e dois que fora de seu bisavô. Uma raridade: um Smith-Weston com cabo de madrepérola. A mesma arma com que o seu antepassado havia tirado a própria vida.

Com uma tranquilidade de causar inveja, pegou a caixa de munição e carregou o tambor com cinco balas, deixando apenas um espaço livre. Apagou a luz de cabeceira e reclinou-se na cadeira de trabalho que estranhamente parecia mais confortável que da última vez que ali sentara para trabalhar. Abriu a janela. O ar da noite era reconfortavelmente bom. Uma brisa fresca vinha com o vento leste, anunciando chuva. Ainda com o revolver na mão, fixou o olhar no prédio em frente. Não sabia o que procurava, apenas olhava como se admirasse o que via. Bem devagar, girou o tambor do revolver várias vezes, dando ao destino uma chance em seis de mantê-lo vivo. Engatilhou a arma. A sensação que percorreu seu corpo era estranha, afinal em seus trinta e três anos de vida jamais havia disparado um tiro sequer. Mesmo estranha, a sensação pareceu-lhe boa. Tão boa que se perguntava porque não havia feito isso antes.

Foi então que percebeu, no relógio de sua mesa de trabalho, iluminada pelas luzes da rua, que já eram cinco e meia da manhã. Em alguns minutos o sol da alvorada iria nascer no horizonte. Logo depois, Ângela, sua esposa, acordaria para mais um dia de trabalho. Foi então que percebeu que o braço com o qual segurava a arma parecia pesado. Somente então se deu por conta que o revólver não estava encostado na sua tempora, como planejara. Concentrou-se então para levantar o braço e por a arma em posição. Aquilo terminaria hoje e agora, pensou. Seu braço tremia, sua mão não conseguia manter a força para segurar a arma. Precisou do auxilio da mão esquerda para erguer o revolver em posição.

Sua coragem fugia de seu corpo. Ficou gelado, suando frio. Seu estômago parecia girar dentro de sua barriga, como quando ficava nervoso e com medo ainda criança, mas fazia pose de bravo para os a sua volta. Não sentia mais seus pés. Sua boca ficou seca, seus olhos se apertaram, uma vez mais inundados em lágrimas. Não tinha mais volta. Era preciso acabar com o sofrimento. No quarto de casal, o alarme do rádio-relogio ligou, abafado pela camiseta. A música que Ângela escolheu para dançarem no casamento estava tocando. Élio sorriu um sorriso nervoso, sofrido.

Nenhum sorriso jamais deveria ser tão doloroso na alma de alguém.

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Ângela acordou de susto, com o coração em disparada.

Sempre era assim quando dormia fundo e o telefone tocava chamando-a para atender um paciente de última hora. Mesmo qando viajavam em férias e Élio insistia que desligasse os telefones, bastava o motor do frigobar do quarto de hotel religar na madrugada para que levasse um susto e acordasse sentada na cama.

Mas dessa vez era diferente. O barulho que lhe acordara foi tão forte, e a sensação na boca tão amarga que sentiu vontade de vomitar. Somente então, retornando aos seus sentidos, sentiu o cheiro de pólvora que vinha do quarto ao lado. Chocada, com medo, virou-se para o lado oposto da cama para descobrir, horrizada, que Élio não estava lá. Um desespero tão grande tomou-lhe conta que saiu semi-nua da cama, aos berros.

O sol já nascera no horizonte e se escondia atrás dos edifícios da cidade, mas o quarto onde Élio montara seu escritório estava plenamente iluminado. Ângela parou na porta, assustada, apavorada, e caiu de joelhos no chão, aos prantos. Em minutos, teria que ligar para o trabalho e informar que não iria aparecer. Não conseguia pensar no que dizer para justificar sua ausência. Apenas deitou-se no chão, encolheu as pernas e apertour os braços em volta da barriga. Aquilo era demais para suportar.

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Na cozinha, sentados na mesa do café da manhã, Ângela e Élio tentavam comer. Eram mais de dez horas quando ela finalmente reuniu forças para falar algo.
- Por quê?
- Não sei – respondeu Élio, ainda com o rosto inchado da noite insone.
- O que tá acontecendo, Bem?
Chamavam-se de “Bem” um ao outro na intimidade, algo que traziam desde os tempos de namoro.
- E-eu não sei. Não aguento mais chorar.
- Mas pra quê dar um tiro na parede? Eu nunca senti tanto medo e...
Foi interrompida pelo giro de corpo de Élio. Sentado no banco de madeira da cozinha, girou até ficar de frente para Ângela e, pegando-lhe as mãos, balbuciou em voz baixa, praticamente inaudível, enquanto olhava para o chão: - Eu não atirei na parede.
- Ãhn?
- EU NÃO ATIREI NA PAREDE! – gritou Élio, levantando-se do banco e apoiando-se no balcão da pia.
Os olhos de Ângela arregalaram-se e o pânico tomou conta de seu rosto. Engoliu em seco, levantou do banco e aproximou-se de Élio. De leve, tocou com as palmas das mãos nos braços do marido, e com uma força interior imensa, acalmou seu tom de voz.
- Como assim?
- Eu errei o tiro. Eu errei o tiro. – Élio chorava aos prantos, repetindo a frase em meio aos soluços, e caiu sentado no taÉlio sujo da cozinha, joelhos dobrados e braços em volta. Eu tentei... Eu quis.. Sabe? Eu atirei e errei. Errei porque minha mão tremia tanto e o gatilho parecia tão pesado que na hora do disparo a arma emborcou e o tiro saiu desviado. Eu sou tão inútil que nem me matar eu consigui...
Ângela chorava junto ao marido. Abraçou-lhe e tentava acalmá-lo. Não tinha ideia de que seu marido poderia tentar algo desse tipo. Estavam juntos há dez anos e ela sempre sabia quando ele tinha algo a lhe perturbar. Onde foi que errara então? O que aconteceu para que chegasse a esse ponto? Como pode deixar tudo isso passar desapercebido?
- Élio, olha pra mim – sua voz ainda era marcada pelo choro. Élio olhou-a, com os olhos vermelhos incapazes de esconder a vergonha que sentia. Élio, a gente vai procurar ajuda e vamos superar isso juntos , O.K.?
Élio estava incapaz de falar e apenas balançou a cabeça afirmativamente.
- Nós vamos superar isso, tá? Vamos descansar um pouco e amanhã de manhã marcamos um psiquiatra pra ti.
Sentados no chão da cozinha, Ângela abraçava Élio como se fosse ela, e não ele, uma gigante. Mantinha a cabeça de Élio entre seus seios, e em voz baixa, tentava fazê-lo parar de chorar.
Sempre fora assim. Desde que se conheceram, era ela quem tinha de ser a mais forte emocionalmente. As crises que marcaram fases do relacionamente sempre foram resolvidas por ela – invariavelmente seguidas por horas e horas de pranto de Élio. Ângela realmente não se importava com alta emotividade – ou falta de controle emocional – de Élio. Afinal, ele era extremamente inteligente e capaz. Em assuntos profissionais, em oposição aos assuntos pessoais e familiares, era Élio quem se destacava. Como fora, então, que deixou de perceber que seu marido estava no limite da depressão? Logo ela, médica, deixou de ver os sintomas de uma clássica e severa depressão. Por mais doloroso que fosse, sabia que não podia se entregar à culpa. Devia ser forte por ambos, por mais desgastante que fosse.
Amanhã eles começariam novas vidas.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Juiz é juiz, advogado é advogado

Após ler o artigo do economista Roberto Macedo publicado no EV de 08.07.2009, fui compelido a escrever as presentes linhas. Isso porque, apesar de respeitar a opinião do articulista (democracia, afinal, é isso), divirjo totalmente do ponto de vista expressado, de que juízes não precisariam de diploma de bacharel em Direito.

Primeiramente, me espanta a premissa tomada pelo respeitável artigo “Juízes - por que só advogados?”.

Juiz não é advogado. E nem precisa ser. Aliás, com o perdão do exagero, me sinto ofendido quando pensam que juiz é advogado. Esse é um erro comumente verificado na população leiga: acreditar que a Advocacia é um degrau para a Magistratura.

Sinto-me agredido pois tal pensar diminui a profissão do advogado. A Advocacia, a mais bela das carreiras jurídicas, já sofre demais com pretensos advogados que unicamente fazem “bico” na profissão, sem depositar o respeito que a classe merece. Sofre com as constantes piadas criadas em alusão aos maus profissionais – os quais são exemplarmente punidos pelos tribunais de ética da OAB.
E, agora, com as exigências de três anos de prática jurídica para aprovação em concursos para a Magistratura, uma vez mais a Advocacia foi relegada a “passatempo profissional”.

Não desejo me afastar do tema, mas as considerações iniciais eram importantes. Como advogado militante e orgulhoso, precisava defender aquilo que acredito. Mas defendo também a manutenção da exigência do diploma de bacharel em Direito (ou Ciências Jurídicas e Sociais) para o exercício da Magistratura.

Já escutei na rua que engenheiros seriam melhores juízes. Balela. Economistas então? Piada. A ciência do Direito e, sobretudo, a prestação jurisdicional não podem ser resumidas a fórmulas cartesianas de pensamento ou senso íntimo de justiça. Existem leis e, mais que isso, princípios que somente são ensinados e colocados em pauta quando do estudo do Direito. O bacharel em Direito – e aqui me refiro a todas as carreiras jurídicas – possui uma preparação própria e árdua que lhe permite integrar os anseios da vida real com a utopia prevista nas normas legais, constitucionais e meta-juridicas.

O magistrado precisa do curso de Direito. Se possuir formação acadêmica em outras áreas, tanto melhor. Mas o diploma de bacharel em Direito é fundamental. Pois se as questões do Judiciário passarem a ser julgadas com a emoção e com o achômetro, e não mais com a razão e com a técnica, estaremos a um passo da extinção do Estado de Direito.


(originalmente publicado no site Espaço Vital em 10.07.2009)

Turmas Recursais da Justiça Federal: o novo círculo do inferno

O inferno, conforme a obra “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, possui nove círculos, onde são jogadas as almas dos pecadores conforme os pecados cometidos em vida. Cada um dos círculos “oferece” um castigo ou uma punição diferente, mas todas possuem algo em comum: o tormento eterno.

Pois avalio que o maior de todos os pecados e a pior de todas as blasfêmias que se pode praticar, cuja punição e tormento eterno se recebe ainda em vida – e não após a morte – é exercer a Advocacia junto às Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis da Justiça Federal do RS, especialmente no rito especial do processo eletrônico, ou e-proc.

De acordo com a Lei nº 9.099/95, os Juizados Especiais primarão, entre outros, pelo princípio da celeridade processual. Tanto o é que - em nome da celeridade e informalidade - não raras vezes observa-se a violação de prerrogativas processuais asseguradas no ordenamento jurídico pátrio. A Lei nº 10.259/2001 buscou, com inspiração e subordinação, inclusive, na referida Lei nº 9.099/95, agilizar e dar maior celeridade aos processos da Justiça Federal, fixando um limite de alçada.

Diferentemente da Justiça Estadual, em que a opção pelo rito ordinário ou especial é facultativa, na Justiça Federal o rito do e-proc para processos até 60 salários mínimos é obrigatório. De se esperar, portanto, que frente a essa obrigatoriedade o procedimento seja efetivamente ágil e célere, como promete ser.

Mas tudo não passa de ilusão.

Os processos submetidos à apreciação dos Juizados Especiais Cíveis Federais serão, invariavelmente, remetidos para julgamento pelas Turmas Recursais – afinal, a União Federal e demais entes públicos recorrem das sentenças proferidas até mesmo quando lhes são favoráveis! E é aqui, nas Turmas Recursais, que o advogado, como ser humano, pecador e blasfemo que ousou escolher profissão que não possui as vantagens de seus equivalentes magistrados e promotores na persecução da Justiça, sofre o tormento e punição em vida: a longa e injustificada demora na prestação jurisdicional nas Turmas Recursais dos JEFs.

O descaso no julgamento de processos, que demoram um, dois ou até três anos para serem julgados viola o bom-senso, ofende a lei e faz por merecer a alcunha de décimo círculo do inferno. Há um ano, escrevi para o Espaço Vital pequena manifestação com o título “O sofrimento de atuar nos JEFs”, onde citei o processo nº 2004.71.50.005864-5, que remetido à 2ª Turma Recursal em 09.02.2005 até aquela ocasião ainda não havia sido julgado.

Pois bem (ou mal?). Passado esse um ano, meu tormento em vida por escolher a profissão de advogado persiste. Na imagem que pode ser acessada no link que segue no fecho deste artigo, poderão ser vistos processos com andamento – ou melhor seria dizer “paramento”? – de mais de um ano. O processo nº 2004.71.50.006013-5 está concluso para julgamento desde 15 de dezembro de 2006. Isso seria celeridade?

Qual o demônio responsável por esse castigo imposto? Estão os magistrados ou serventuários da Justiça Federal cientes do problema?

A morosidade que se vislumbra nos processos do rito especial do e-proc contradiz tudo o que defendia o TRF da 4ª Região ao lançar o processo eletrônico e sua obrigatoriedade. A demora no julgamento de processos de baixa complexidade e valor inferior a 60 salários mínimos pune a parte, que buscou o Judiciário justamente por se ver impotente frente ao ente estatal. E pune, sem qualquer dor de consciência, o profissional advogado que é responsabilizado por seus clientes pela demora no andamento do processo.

Quando se fala em Justiça ou em Poder Judiciário a população em geral, em sua grande maioria, pensa logo em seguida em “advogado”. Ao querer reclamar, não pensa em “juiz” ou “solução de conflitos” ou “proteção dos direitos de cidadania”. Nada disso. A associação primeira é “advogado”, e é justamente esse o profissional que sofre o tormento da demora e da morosidade em sua reputação profissional e quiçá pessoal.

Oremos.


link externo: Processos parados

(originalmente publicado no site Espaço Vital em 07.04.2009)

O sofrimento de atuar nos juizados especiais federais

Foi com preocupação que li o artigo “Juizados federais e celeridade processual”, do colega Alexsandro Oliveira (Espaço Vital de 08.02.2008). Sendo um advogado de atuação na esfera estadual e federal, experimento os dissabores de ver meu trabalho desrespeitado nos juizados especiais, sobretudo os federais.

A Lei nº 10.529/2001, no § 3° do artigo 3°, fixou que a competência dos JEFs, para causas de até 60 salários mínimos, será absoluta nos foros onde estiverem instalados. Significa dizer que as partes e advogados não poderão optar pelo procedimento ordinário, submetendo-se ao rito da Lei nº 9.099/95. A esta realidade, soma-se a obrigatoriedade de utilização do sistema E-Proc de processo eletrônico por Internet – mas esta é uma outra história...

Atuante em Porto Alegre, não posso deixar de concordar com o caro colega Alexsandro. Com efeito, a prestação jurisdicional nos processos de minha responsabilidade nas varas dos juizados especiais federais cíveis, apesar de nem sempre serem da melhor sapiência, foram sempre céleres, em encontro ao principio que norteou desde o início a instalação dos JEF´s no âmbito da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul.

A atuação nas turmas recursais, todavia, causavam vexame à Magistratura gaúcha e comprometem não apenas a imagem da Justiça Federal em geral, mas estende sua mancha ao próprios profissionais advogados obrigados a atuar nos juizados especiais.

A exemplo do colega de Rio Grande, possuo inúmeros processo aguardando julgamento há mais de ano e meio. O caso mais emblemático – e por isso mesmo, mais preocupante – é o processo nº 2004.71.50.005864-5, que remetido à 2ª Turma Recursal em 09.02.2005, até a presente data não foi julgado ou apreciado pelos juízes responsáveis.

Um processo que aguarda três anos para ser julgado em um procedimento tido por célere e ágil compromete a imagem do advogado. É uma barbaridade o que se comete ao permitir que processos acumulem, sem que se possa dar satisfação às partes que recorrem ao Judiciário para resolver suas demandas.

Às partes, aos clientes, o vilão será sempre o profissional advogado, que é assim duplamente penalizado: em sua imagem profissional, arranhada pela morosidade inexplicável e absurda de um procedimento que já nasceu fadado ao fracasso, além de seu sustento, na medida em que o processo não chega ao fim não poderá receber seus honorários.

Vale dizer, por fim, que a lentidão e incapacidade da Justiça Federal no âmbito do Rio Grande do Sul de lidar e solucionar os problemas verificados no sistema E-Proc e nos processos dos Juizados Especiais Federais (sobretudo nas turmas recursais) expõe a ineficiência da Justiça como um todo.

Como advogado, não desistirei de lutar por melhores condições de trabalho. Porém o desejo é apenas o de respeito, negado pela situação presente.


(publicado originalmente em 15.02.2008 no site Espaço Vital)

Se fosse bom não seria de graça

Se alguém me pedisse um conselho, eu diria “não case”. Claro que ninguém me pede conselhos, e por isso mesmo que nós, homens, continuamos a cometer os mesmo erros. Pode parecer um golpe, mas eu mesmo sou casado – quer dizer, juntado. Mas dá no mesmo. E muito bem casado. Feliz. Mas ser solteiro é tão mais fácil.

Qualquer homem, no tempo de um copo de chopp, é capaz de fazer uma lista de vantagens e desvantagens de ser casado e de ser solteiro. Não se trata disso. A questão é mais profunda e é isso que não ensinam nos filmes do Charles Bronson: casamento dá muito trabalho. Por mais óbvio que pareça, não estou falando daquela baboseira de mulher de que “casamento exige esforço e sacrifício” ou que “é uma luta pra manter o amor aceso”. Pra puta que pariu essas lenga-lengas. Eu estou falando de trabalho duro, de romper os paradigmas masculinos.

Outro dia, refletindo sobre a ideia central de “sou feliz agora que realizei o plano de me mudar com minha noiva para o nosso apartamento novo?”, tive um rompante de genialidade e fiz uma lista das cinco coisas que mais acontecem na vida de um jovem homem recém casado:

1 - Fazer compras no supermercado, mesmo quando a geladeira está cheia
2 - Botar as roupas e lençóis e toalhas para lavar
3 - Limpar a casa periodicamente contra a vontade
4 - Tomar puteada da mulher por ficar jogando videogame quando na verdade devia fazer os itens acima
5 - Tentar fazer tanto sexo quanto imaginava que faria antes de morarem juntos

Eu comparo a vida de solteiro que tinha antes com a de casado e digo que ser casado é muito difícil. Mais do que se possa pensar. E não se trata de um dilema sobre a monogamia ou sobre noitadas ou sobre conquistar novas mulheres. Não, isso tudo é fichinha. Eu to falando de algo muito mais profundo: o fim da mordomia.

Existem dois tipos de solteiros, os que moram sozinhos e os que moram com os pais. O primeiro tipo é um relaxado. O segundo também. O solteiro que vive sozinho costuma viver um dia depois d outro, sem maiores planejamento quanto a limpeza, roupas, cozinhar... O que vive com os pais também! É incrivel, mas nós homens não fomos feitos para as tarefas domesticas. Sempre existiu alguem pra fazer isso por nós e, se por alguma razão não tivesse ninguém, azar, que as coisas fiquem sem serem feitas.

Mas depois de casado as coisas mudam. Agora tem uma mulher controlando cada detalhe da preguiça e relaxamento do comportamento masculino. É impressionante, mas é verdade. Quer jogar as roupas sujas atrás da porta pra ir tomar banho? OK, mas junte-as depois. Por que? Não sei, mas não me deixam mais deixar as roupas atrás da porta mais do que 30 minutos. Derrubou farelo de comida no chão? Varra o comodo inteiro. Não sei porque, mas acho que é a fascinação que a vassoura exerce nas mulheres.

“Vai se fuder, se minha mulher ficar me regulando nessas coisinhas bestas, mando ela carpir” dirá o despreparado e ingenuo leitor. Pois bem, homens precisam de sexo, mulheres definem se eles farão sexo ou não. Simples assim.

E ninguém nunca colocou assim o preto no branco.

Mas isso é se quiserem o meu conselho.

O Preço

Foi meu pai quem me disse quando eu ainda era guri que vivemos em um país de medíocres. Honestamente, acho que ele estava certo. O país da mediocridade é um lugar inóspito para se viver, prosperar. Especialmente quando se é inteligente. Ser inteligente virou uma maldição.

Qualquer pessoa é capaz de apontar soluções. Evidentemente, nem todas as soluções serão corretas. Acontece que quando se possui um grau de inteligência acima do homem médio – e por isso, medíocre – não se aponta apenas solução. É natural quando a mente inteligente vê o problema, de tentar entendê-lo, compreendê-lo, solucioná-lo e, mais importante, resolvê-lo de forma a impedir que o problema se repita. Simples, poderia se dizer, mas não é assim que funciona.

Deixe-me contar sobre um menino com enorme potencial. Não interessa seu nome, pois poderia ser Pedro, Fábio, José, Francisco... Seu nome não importa pois trata-se de uma amarga situação que acontece repetidamente, em inúmeros lugares diferentes, em famílias diferentes, em épocas diferentes. Mas enfim, ao menino. Adão.

Adão, filho de pais mais inteligentes que a média, foi feliz a ponto de herdar a capacidade de pensar, raciocinar e compreender o mundo ao seu redor de seus genitores. Sua infância foi normal, com acontecimentos pitorescos comum a qualquer pequeno. Mas ao alcançar idade escolar, sua mente adquiriu uma importância que o meio onde estava não conseguiu compensar. Sem maiores condições econômicas, Adão frequentou toda a pré-escola em rede pública. Para que não desperdiçassem a capacidade intelectual do filho, o casal realizou verdadeiros sacrifícios para matricular o pequeno Adão em uma escola privada.

Adão teve sorte. Teria, então, chance de desenvolver suas capacidades e aprimorar sua inteligência. Mas este é um país de medíocres, e nem todos os seus cidadãos pertencem à mediocridade por escolha. Aliás, creio ninguém escolha ser medíocre. Ocorre que a natureza é perversa com alguns, reservando-lhes pouca capacidade intelectual. Outros, todavia, são vítimas do sistema. O sistema que sustenta a mediocridade tolhe oportunidades e prende a grande maioria num rodamoinho de de desilusões. Sem chances de crescer, uma inteligência em potencial não passa disso: potencial. O verdadeiro segredo para gozar de inteligência acima da média geral é simples. Pura sorte.

Adão teve sorte.

Estudou em colégios particulares. Colégios, no plural, pois sua mente lhe exigia mais. Sua escola nunca lhe era desafiadora o suficiente. Aprender era fácil. Suas notas sempre estavam entre as melhores – quando não eram as melhores. Adão absorveu o máximo de conhecimento possível, aprendeu a usar sua capacidade intelectual. Mas isso em nada se deve por que era de fato inteligente. Adão atingiu um nível de excepcional inteligência porque teve sorte. E por ser inteligente, ele sabe disso.

A perspectiva de saber que a principal caracteristica que lhe distingue de outros - sua imensa capacidade intelectual – é um mero lance de destino pesa de sobremaneira na alma de qualquer pessoa. O conhecimento do mundo ao redor – e não necessariamente o mundo, talvez apenas seu país, sua cidade, seu bairro – e, mais importante, sua compreensão com seus problemas, mazelas e imperfeições são igualmente um fardo para quem é capaz de ver tudo isso. A inteligência, posta aqui como uma capacidade de ver o mundo sob uma perspectiva critica que autorize a ver o bom e, especialmente, o ruim da vida é, no fim, um fator de tristeza. E o lance de sorte, ironicamente, torna-se um lance perverso.

Adão é talvez umas das pessoas mais inteligentes que exista. Contudo, é impossível saber. Apesar de ter tido sorte quando jovem e ter desenvolvido sua mente tanto quanto fora possível, o país da mediocridade não tem onde absorvê-la. Sua inteligência, que tanto poderia fazer pela sociedade em que vive, ou pelas gerações futuras, na prática, não serve para nada. É puro potencial. Desperdício.

Adão é inteligente. E por isso mesmo é infeliz. A natureza – alguns dirão Deus – lhe deu um dom. Mas cobrou um preço talvez alto demais a ser pago. Saber, entender, compreender o mundo ao redor parece ótimo, mas assola a alma quando se descobre a impotência de resolver os problemas. A felicidade é fugaz, a passo que as aflições, angustias e desolações persistem. É impossível alguém com a inteligência como a de Adão passar incólume pela constatação dos podres que cercam a todos. A inteligência tem seu preço, e aceitar esse preço de forma a minimizar a tristeza que a acompanha exige algo que nem mesmo alguns dos mais inteligentes do mundo possuem. De nada adiante esperaram uma resposta, pois eu mesmo não sei.

Ver pessoas morrerem por incompetência das administrações públicas é triste. Ver como um sistema de impostos sufoca a produção e retira a possibilidade de criar novos empregos à massa de desempregados que lutam diariamente por sub-empregos, degradantes e humilhantes, apenas para terem como alimentar o filho no fim do dia, é aterrador. Mas o pior é saber como solucionar isso tudo e ver-se incapaz, fadado a viver o dia-a-dia apenas para sua própria sobrevivência, forçado a ser apenas médio, medíocre.

Ter o potencial, através da inteligência privilegiada, de ser diferente e, mais fazer a diferença a outras pessoas e ser incapaz de usá-la, pelos mais diversos fatores – e todos de completamente conhecidos - é um fator de extrema miséria, infelicidade. Adão não resistiu. Ser infeliz e saber o porque é conflitante. Como permancer preso à tristeza se conhecia os seu grilhões? E foi assim que Adão pensou, analisou, racionalizou e, por concluiu na sua solução. Por a solução em prática exigiu – e ainda exige – muita coragem de Adão. Isso porque a própria solução lhe faria infeliz, mas em um grau menor e mais tolerável do que sua imensa tristeza por sua inteligência desperdiçada. Adão decidiu ser burro.

Após terminar seus estudos e receber o diploma na faculdade, Adão está continuamente utilizando sua impressionante capacidade intelectual em seus constantes esforços para ser burro. Dia após dia cala as vozes em sua mente e impede que os acontecimentos do país e do mundo lhe façam sentido. Esforça-se apenas no sentido de ver a vida como a grande e esmagadora maioria a vê, e para tanto dedica boa parte de sua inteligência. Assim, sem entender a fundo o mundo ao seu redor, centrado apenas em seu dia-a-dia e preocupado apenas com sua vidinha ordinária, sem nada de mais especial, busca encontrar a felicidade que sua inteligência lhe negou.

Enfim, resolveu ser um mediocre. Mais um feliz mediocre.