Já vai começar. Tá chegando a hora.
Os tambores rufam incessantemente na mente de Rodolfo. A ansiedade, a expectativa, a celebração. A família, já acostumada, finge que não percebe. Os vizinhos dão risada. Os colegas de trabalho até entram na onda. Mas Lunara, a esposa de Rodolfo, detesta o comportamento do marido nesse período.
A Copa do Mundo de Futebol é muito mais que simples evento esportivo. É uma afirmação da condição masculina. Em tempos de opressão do movimento feminista, viver o jeito homem de ser é perigoso. As mulheres celebram anualmente uma data mundial em sua homenagem. E não apenas comemoram – fazem dos homens vilões. Mas de quatro em quatro anos, um mês inteiro é dedicado à cultura masculina.
No Brasil, as mulheres – e alguns perdidos e renegados – assistem diariamente a até quatro folhetins inéditos (e isso em apenas uma emissora de televisão), com destaque para a novela das oito, que vai ao ar às nove e pouquinho da noite. Mas quando tentam passar uma única partida de futebol nas quartas-feiras, bem no horário do final do capítulo da sagrada novela, ai meu Jesus, parece até que estão na TPM...
O homem perdeu espaço no mundo. Homem do sexo macho. Porque ser gay está na moda. O metrossexualismo ainda resiste – mas pouco a pouco todos os adeptos se assumem homossexuais. Agora, o homem macho, que gosta de mulher, beber cerveja e ver futebol, esse virou minoria no mundo. E, incrível, a única minoria que não tem direito à defesa.
Por isso Copa do Mundo é tão importante. O planeta se põe nos pés dos heróicos machos que ainda resistem e praticam suas tradições. O noticiário é dedicado quase vinte e quatro horas para a cobertura de jogos e seleções de futebol. Propaganda? O homem, finalmente, é o alvo: futebol e mulheres semi-nuas dividem espaço em comerciais de cerveja, carros, e... que mais se vende?
Rodolfo sabe. Futebol, para ele é coisa séria. No dia após o sorteio do grupos, trancou-se no seu escritório para organizar a agenda de jogos. Estava providenciando para que pudesse assistir a todas as partidas, independentemente de onde estivesse. Jogos de seleções tradicionais, como Alemanha, Argentina, Inglaterra e Itália teriam preferência. Durante a Copa, compras no supermercado, filas de banco e sexo com a esposa apenas se não comprometerem o rendimento ao sofá assistindo às partidas. E por isso mesmo, a cada quatro anos, Lunara volta a pensar na possibilidade de divórcio...
Rodolfo ainda lembra a primeira Copa como homem casado. Lunara, sua querida mulher, achou divertido o envolvimento do marido em todo aquele frenesi. Haviam se conhecido três anos antes, depois portanto da Copa do Mundo de 1994. Era a Copa da França, e o Brasil de Zagallo era festejado pela imprensa ufanista. Lunara, na expectativa de comemorar com seu novo marido o penta, decorou a casa inteira de verde e amarelo. Pendurou bandeirinhas, forrou as almofadas do sofá e convidou toda a turma para assistir à final. Queria fazer uma surpresa para Rodolfo.
Ah, que surpresa. Rodolfo chegou em casa faltando apenas 20 minutos para o início daquele Brasil e França. Estava compenetrado, focado, pronto para seu ritual. Cerveja gelada numa mão, controle remoto na outra, radinho ao alcance e o mais absoluto silêncio na casa. E então tudo foi por água abaixo.
O resultado do jogo todos sabemos. Mas o pior foi o impacto no relacionamento do casal. Rodolfo perdeu a cabeça. Na verdade, perdeu o lugar no sofá, o controle remoto e a cerveja, que os primos da esposa beberam tudo antes mesmo de iniciada a partida. Naquela tarde, Rodolfo esteve prestes a perder a esposa.
Mas superaram o ocorrido.
Porém, a cada quatro anos o drama se repetia. Lunara tinha vontade de esganar Rodolfo, mas jurara perante Deus “na boa e na ruim”... Desde então, sempre que houvesse futebol na televisão, Rodolfo ficava sozinho no cômodo.
Neste ano, Rodolfo não quis saber. Antes mesmo do pontapé inicial, já está ligado nos amistosos. Fundamentais para que possa avaliar a evolução das equipes e apreciar o maior show da Terra. Domingão, saiu da mesa ao final do almoço e, sem maiores cerimônias, foi para o sofá. Lunara percebeu o olhar do marido. Olhos fixos, compenetrados. Rodolfo estava indo assistir ao futebol.
- Tem jogo hoje?
- Japão e Inglaterra.
- Sei...
- Amor, me faz um favorzinho, me traz uma cerveja antes que comece?
As mulheres, apesar de oprimirem os homens com seus hábitos modernos e comportamento “Sex and the City”, por vezes são magnânimas. Sem qualquer discussão, assentiu e levou uma garrafa de cerveja que estava no freezer.
Intervalo de jogo. Rodolfo não faz ideia de onde esteja sua mulher. Mesmo assim, grita:
- Amor, me traz mais uma cerveja, por favor, antes que comece.
Novamente, a esposa ignora tudo e, pelo bem do casamento, leva outra garrafa.
Quinze minutos do segundo-tempo. Japão um, Inglaterra zero. Zebra total no marcador:
- Mulher, mais uma cerveja, antes que comece.
Lunara já sem paciência, sai do quarto, vai até a cozinha e leva outra bem gelada.
Aos quarenta e dois minutos do segundo-tempo, Rodolfo não perdoa:
- Traz mais uma, mulher, antes que comece.
Lunara, indignada, perde a paciência. Onde já se viu um marido tão insensível e desrespeitos?
- Que diabos tu tá pensando, seu preguiçoso bebum de araque? Levanta essa bunda do sofá e vai...
- Pronto, começou!
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