Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Artêmia é que era mulher de verdade

Artêmia foi uma mulher especial. De fibra. Muito antes de feministas queimarem sutiãs em praça pública em 1968 (o que parece que não foi bem assim que aconteceu, mas isso é outra história), Artêmia Vasconcellos foi uma mulher moderna, a frente de seu tempo. Um modelo para gerações por vir.

Nascida em Alegrete no distante século XX, em 05 de dezembro de 1921, filha de Martimiano Vasconcellos e Izoletina Barros Vasconcellos, Artêmia atravessou uma difícil infância. Filha mais nova do casal, é dito que sua mãe nunca se recuperou de uma grave crise de puerpério, fruto de duas gestações consecutivas. Neysa Maria, a irmã mais velha, nasceu em janeiro de 1921, apenas onze meses antes. Ainda cedo, com apenas cinco anos, perdeu os pais. Órfãs, as irmãs Artêmia e Neysa Maria foram enviadas pela família para o internato de freiras do Colégio Sant’Ana, em Uruguaiana,  onde passaram a infância e adolescência.

Ainda moça, saiu do internato para o Magistério. Professora pacienciosa, tinha respaldo de uma época em que se valorizavam os funcionários da educação. Com uma remuneração até então digna e adequada, a jovem Artêmia passou por diversos municípios do Rio Grande do Sul. Na virada das décadas de 1930 para 1940, a professora Artêmia tinha uma vida independente. Uma mulher capaz de prover seu próprio sustento, sem depender de família ou homem algum.

Foi exercendo sua vocação que Artêmia chegou a Carazinho, em 1943. Por influência de sua melhor amiga dos tempos de magistério, Inês Scherer, a quem conheceu quando lecionava em Cerro Largo, na Escola Rural. Desde o início de sua nova vida no município, até a sua aposentadoria, sempre lecionou no Grupo Escolar Princesa Isabel. Foram vinte e sete anos de magistério apenas em Carazinho. Muito anos depois, já aposentada e sofrendo com o aviltamento dos salários das professoras, sempre respondia, sem titubear, o porque de ter escolhido a profissão: o amor e carinho que recebia de seus alunos e ex-alunos.

Carazinho acolheu Artêmia com muito amor. Tanto amor que em 1952 casou-se com Aldo Aury Schlichting, natural do município. Aldo, nascido em 04 de julho de 1925. De novo, Artêmia rompia com paradigmas e preconceitos da época ao casar-se com um homem quase três anos mais jovem. A família cresceu logo depois, com os nascimentos das filhas Rosa Maria (1956) e Marta Regina (1961).

Contudo, a década de 1960 marcou profundamente a jornada de Artêmia. Seu marido, Dr. Aldo – médico querido e respeitado no Município – sempre fora muito ligado à vida política, sobretudo às lutas do antigo PTB ao lado do amigo Leonel Brizola. A vida pública e política de Artêmia não seria possível não fosse a influência do marido, o qual já havia sido eleito anteriormente vice-prefeito e vereador de Carazinho.

Com o Golpe Militar de 1964, Artêmia viu sua família passar pela mais difícil fase. O advento do Ato Institucional nº 5 (o famigerado AI-5) em 1968 decretou a cassação dos direitos políticos do então candidato a deputado federal Aldo. A prisão do marido pelo Regime Militar obrigou Artêmia a superar o medo. Sua família dependia de sua força em manter o lar unido e erguido tanto quanto dependia das forças de seu marido na prisão.

Foi com galhardia que nas eleições seguintes, em 1969, Artêmia aderiu ao exercício da política e elegeu-se pelo MDB como a vereadora mais votada em 1969. O feito não bastou para a professora e mãe de família. Durante seu mandato, tornou-se a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores do Município de Carazinho.

A vida na política foi breve. Talvez pela pressão familiar, traumatizada com desafios impostos pelos Anos de Chumbo. Mas foi marcante. O sorriso da já Vó Artêmia nunca escondeu o orgulho de sua vida política. No entanto, modesta de seus feitos, ela nunca falava sobre o assunto sem que outros o trouxessem à baila.

Artêmia viveu intensamente. Avó de três netos, sempre teve na família seus maiores admiradores. Viveu até seus quase 85 anos, quando em 18 de julho de 2006 fechou os olhos e mergulhou na paz eterna.

Os ventos do feminismo, da libertação feminina ainda não haviam atingido o país ou o Rio Grande. Mas Artêmia Vasconcellos Schlichting já era, em seu tempo, um vislumbre do futuro da mulher. Um modelo de mulher. Anônima. Uma mulher de verdade.

5 comentários:

  1. Bárbaro Pedro! Bem escrito, lindo e emocionante !
    Parabéns , Neneca Parreira

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  2. Filho!!!!! Que lindo! Bem assim foi tua avó: uma mulher à frente de seu tempo. Moderna. Beijo enorme da tua Mãe.

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  3. Que história linda ! Adorei saber como foi a vida da tua vó, uma grande mulher ! Parabéns pelo texto ! Rosângela Trentin

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  4. Parabéns, Pedro, por essa linda homenagem póstuma. Pelo jeito, era uma guerreira a tua avó. Poucas assim naquele tempo. Grande exemplo à família e à sociedade.

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  5. Adorei conhecer um pouco mais desta forte mulher parabéns Rosa Maria uma queridona tua mãe.

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