Sentado na sacada de seu
apartamento, com a cerveja gelada na mão, Jorge olha para longe,
perdido em seus pensamentos. Enquanto a família dorme, entre um gole
e outro Jorge permite que sua mente volte no tempo. Talvez por efeito
do álcool, talvez pela nostalgia de embriagar-se sozinho, lhe voltam
lembranças que considerava a muito esquecidas. Lembranças que não
sabe precisar, exatamente, se gostaria de reviver em uma noite úmida
de verão.
Sem poder lutar com a memória, que
insiste em trazer eventos do seu passado para serem rememorados,
Jorge recosta-se na cadeira, preguiçosamente. Serve-se novamente da
cerveja, sorve um longo gole e expira demoradamente, em busca do
relaxamento.
Com os olhos sem olhar para nada em
especial, passa a remoer sua passagem da infância para a
adolescência. Aquela fase difícil para todos os jovens, ainda no
primeiro grau, que começam a sentir os efeitos da puberdade. Pois a
mente de Jorge vagou no tempo até reencontrar o seu primeiro amor.
Amor? Poder-se-ia dizer que sim, se bem que o conceito de amor em
idade tão efêmera – 11, 12, 13 anos – definitivamente não é o
mesmo da idade adulta.
Seu primeiro amor. Jorge lembra-se
com dificuldades. E acha isso curioso. Se aquela menina de sua classe
lhe causava tamanho sentimento, como que não se lembrava dela? Bebeu
mais dois goles de uma só vez e pôs-se a pensar. Precisava lembrar.
Precisava confrontar seu passado.
Ana Maria. A lembrança do nome foi
como uma faísca em uma noite escura. De um só turno vieram flashes
de memória sobre aquela menina que lhe roubou o coração. E que
depois o partiu. A primeira representante do sexo feminino a pisar na
alma combalida de um garoto tímido.
Ana Maria era uma garota loira, de
olhos claros, mais provavelmente azuis (não conseguia lembrar-se com
certeza). Tinha a pele alva e as bochechas rosadas, como se o frio de
uma manhã de inverno as tivesse queimado. Jorge bem que tentou, mas
não conseguiu desenhar seu rosto, pois seus traços estavam perdidos
na poeira do tempo. Porém lembrava-se com exatidão: era uma menina
muito bonita. E baixinha. Talvez a mais baixa da turma, o que
contrastava muito com ele, o mais alto dentre todos de sua série.
Jorge riu. Depois de mais uma
garrafa, pôs-se a pensar. Se o pai tempo confirmasse as designações
da mãe natureza, Ana Maria provavelmente hoje é uma linda loira
baixinha de olhos claros e... gorda. Sim, pois ao que lembrava, Ana
Maria não era do tipo magricela...
Mesmo rindo, Jorge contemplou-a no
escuro, incompleta em suas memórias. Aquela pequena garota de
personalidade forte e rosto delicado era decerto a mais desejada
entre os meninos da turma. Ao menos metade dos meninos alimentou uma
paixão secreta, platônica, por Ana Maria. Até mesmo Alessandro,
filho do professor de educação física e talvez o menino mais
inconveniente da classe (fosse hoje, suas atitudes seriam
consideradas bullying),
rendia-se a seus encantos. E
assim, envergonhado de admitir, Jorge lembrou ser um daqueles que
suspirava em segredo, feito um Peter Parker por sua Mary Jane
Watson.
Em situações normais, sentiria
vergonha da babaquice de moleque. Mas já levemente ébrio, apenas
riu de leve. Afinal, durante todo um ano sonhou amores com aquela
menina.
De certa forma foi Rodrigo, seu
melhor amigo, que lhe tirou daquela hipnose. Ana Maria não era uma
menina boba. Tinha conhecimento de cada um dos meninos apaixonados
por si. E gostava disso. Alimentava-se daquela babação toda. Aquilo
lhe dava poder – sobre os meninos e sobre as meninas, que tinham de
vergar-se em frente à rainha da quinta série.
Foi em um dia de chuva. Ana Maria
havia escolhido Jorge para ser seu parceiro no trabalho de... De que
era mesmo? Não lembrava, mas diga-se que fosse de ciências. Nas
próprias palavras dela, ele era o guri mais inteligente da turma, e
fazia questão de que fossem parceiros. Jorge dessa vez não riu.
Aquela foi apenas a primeira vez que uma menina se aproximou dele
apenas com o intuito de beneficiar-se de suas boas notas. Mas na
ocasião, sua inocência e juventude elevaram seus sonhos. Jorge
agora lembrava. Foi ali, naquela ocasião, que decidiu que iria se
declarar.
Seria no recreio o momento da
declaração. Após a partida de volei – que Jorge passara a jogar
apenas na esperança de ficar no mesmo time da baixinha. Mas
lembra-se que naquele dia Rodrigo lhe chamou para a partida de
futebol contra a outra turma, seus eternos rivais – o mesmo futebol
que deixara de participar meses antes por causa do volei e de Ana
Maria. Rodrigo, que não via nada demais na menina baixinha de
cabelos platinados, lhe disse:
Não, mil vezes não. Para Jorge,
ela era perfeita. Aquela ideia de Rodrigo era absurda. Ou não? A
semente havia sido plantada. Jorge foi para o recreio cumprir sua
missão de declarar-se, mas seu espírito não tinha mais a mesma
leveza.
Chegou na quadra do ginásio e foi
até sua musa. Jorge abriu outra cerveja, pois as lembranças lhe
causavam um sentimento ambíguo, e não estava gostando de onde suas
memórias o estavam conduzindo. Encheu-se de coragem e tocou no ombro
de Ana Maria. Era agora.
Porém, antes que pudesse dizer
algo, viu estarrecido. Àquela lembrança, Jorge engasgou-se
levemente. Insistiu e terminou o copo, teimosamente. A cerveja não
lhe estava mais descendo como no início da noite. De mãos dadas com
a pequena e linda menina de bochechas rosas estava Alessandro. Ele
que nunca jogara voleibol. O garoto malvado que infernizava a todos,
inclusive o próprio Jorge. O menino com as piores notas. Ana Maria,
com uma expressão digna de Rainha do Gelo, perguntou a Jorge “o
que foi?”.
E Jorge sabia o porquê de sua mente
ter lhe levado naquela pequena viagem. Para que confrontasse o
momento que lhe marcaria a vida para sempre. Que definiria para
sempre sua personalidade, e que talvez explicasse alguns de seus
vários fracassos amorosos.
Jorge recordou-se vividamente
daquele momento. Ana Maria, com os olhos frios, o coração gelado e
a voz seca lhe perguntou, com todo o desdém de uma pequena megera
destruidora de corações:
- O que foi?
- Vai pra puta que te pariu –
respondeu Jorge pela alta, sonora e primeira vez.
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Pedrão escrevendo de novo sobre sua adolescência! Muito nostálgico! Será que ficaram coisas mal resolvidas?
ResponderExcluirO protagonista se chama Jorge, Sr. Anonimo...
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