Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Palavras da Salvação



Sentado na sacada de seu apartamento, com a cerveja gelada na mão, Jorge olha para longe, perdido em seus pensamentos. Enquanto a família dorme, entre um gole e outro Jorge permite que sua mente volte no tempo. Talvez por efeito do álcool, talvez pela nostalgia de embriagar-se sozinho, lhe voltam lembranças que considerava a muito esquecidas. Lembranças que não sabe precisar, exatamente, se gostaria de reviver em uma noite úmida de verão.

Sem poder lutar com a memória, que insiste em trazer eventos do seu passado para serem rememorados, Jorge recosta-se na cadeira, preguiçosamente. Serve-se novamente da cerveja, sorve um longo gole e expira demoradamente, em busca do relaxamento.

Com os olhos sem olhar para nada em especial, passa a remoer sua passagem da infância para a adolescência. Aquela fase difícil para todos os jovens, ainda no primeiro grau, que começam a sentir os efeitos da puberdade. Pois a mente de Jorge vagou no tempo até reencontrar o seu primeiro amor. Amor? Poder-se-ia dizer que sim, se bem que o conceito de amor em idade tão efêmera – 11, 12, 13 anos – definitivamente não é o mesmo da idade adulta.



Seu primeiro amor. Jorge lembra-se com dificuldades. E acha isso curioso. Se aquela menina de sua classe lhe causava tamanho sentimento, como que não se lembrava dela? Bebeu mais dois goles de uma só vez e pôs-se a pensar. Precisava lembrar. Precisava confrontar seu passado.

Ana Maria. A lembrança do nome foi como uma faísca em uma noite escura. De um só turno vieram flashes de memória sobre aquela menina que lhe roubou o coração. E que depois o partiu. A primeira representante do sexo feminino a pisar na alma combalida de um garoto tímido.

Ana Maria era uma garota loira, de olhos claros, mais provavelmente azuis (não conseguia lembrar-se com certeza). Tinha a pele alva e as bochechas rosadas, como se o frio de uma manhã de inverno as tivesse queimado. Jorge bem que tentou, mas não conseguiu desenhar seu rosto, pois seus traços estavam perdidos na poeira do tempo. Porém lembrava-se com exatidão: era uma menina muito bonita. E baixinha. Talvez a mais baixa da turma, o que contrastava muito com ele, o mais alto dentre todos de sua série.

Jorge riu. Depois de mais uma garrafa, pôs-se a pensar. Se o pai tempo confirmasse as designações da mãe natureza, Ana Maria provavelmente hoje é uma linda loira baixinha de olhos claros e... gorda. Sim, pois ao que lembrava, Ana Maria não era do tipo magricela...

Mesmo rindo, Jorge contemplou-a no escuro, incompleta em suas memórias. Aquela pequena garota de personalidade forte e rosto delicado era decerto a mais desejada entre os meninos da turma. Ao menos metade dos meninos alimentou uma paixão secreta, platônica, por Ana Maria. Até mesmo Alessandro, filho do professor de educação física e talvez o menino mais inconveniente da classe (fosse hoje, suas atitudes seriam consideradas bullying), rendia-se a seus encantos. E assim, envergonhado de admitir, Jorge lembrou ser um daqueles que suspirava em segredo, feito um Peter Parker por sua Mary Jane Watson.

Em situações normais, sentiria vergonha da babaquice de moleque. Mas já levemente ébrio, apenas riu de leve. Afinal, durante todo um ano sonhou amores com aquela menina.

De certa forma foi Rodrigo, seu melhor amigo, que lhe tirou daquela hipnose. Ana Maria não era uma menina boba. Tinha conhecimento de cada um dos meninos apaixonados por si. E gostava disso. Alimentava-se daquela babação toda. Aquilo lhe dava poder – sobre os meninos e sobre as meninas, que tinham de vergar-se em frente à rainha da quinta série.

Foi em um dia de chuva. Ana Maria havia escolhido Jorge para ser seu parceiro no trabalho de... De que era mesmo? Não lembrava, mas diga-se que fosse de ciências. Nas próprias palavras dela, ele era o guri mais inteligente da turma, e fazia questão de que fossem parceiros. Jorge dessa vez não riu. Aquela foi apenas a primeira vez que uma menina se aproximou dele apenas com o intuito de beneficiar-se de suas boas notas. Mas na ocasião, sua inocência e juventude elevaram seus sonhos. Jorge agora lembrava. Foi ali, naquela ocasião, que decidiu que iria se declarar.

Seria no recreio o momento da declaração. Após a partida de volei – que Jorge passara a jogar apenas na esperança de ficar no mesmo time da baixinha. Mas lembra-se que naquele dia Rodrigo lhe chamou para a partida de futebol contra a outra turma, seus eternos rivais – o mesmo futebol que deixara de participar meses antes por causa do volei e de Ana Maria. Rodrigo, que não via nada demais na menina baixinha de cabelos platinados, lhe disse:

Cara, ela é como qualquer outra guria. Ela mija e caga como todo mundo.

Não, mil vezes não. Para Jorge, ela era perfeita. Aquela ideia de Rodrigo era absurda. Ou não? A semente havia sido plantada. Jorge foi para o recreio cumprir sua missão de declarar-se, mas seu espírito não tinha mais a mesma leveza.

Chegou na quadra do ginásio e foi até sua musa. Jorge abriu outra cerveja, pois as lembranças lhe causavam um sentimento ambíguo, e não estava gostando de onde suas memórias o estavam conduzindo. Encheu-se de coragem e tocou no ombro de Ana Maria. Era agora.

Porém, antes que pudesse dizer algo, viu estarrecido. Àquela lembrança, Jorge engasgou-se levemente. Insistiu e terminou o copo, teimosamente. A cerveja não lhe estava mais descendo como no início da noite. De mãos dadas com a pequena e linda menina de bochechas rosas estava Alessandro. Ele que nunca jogara voleibol. O garoto malvado que infernizava a todos, inclusive o próprio Jorge. O menino com as piores notas. Ana Maria, com uma expressão digna de Rainha do Gelo, perguntou a Jorge “o que foi?”.

E Jorge sabia o porquê de sua mente ter lhe levado naquela pequena viagem. Para que confrontasse o momento que lhe marcaria a vida para sempre. Que definiria para sempre sua personalidade, e que talvez explicasse alguns de seus vários fracassos amorosos.

Jorge recordou-se vividamente daquele momento. Ana Maria, com os olhos frios, o coração gelado e a voz seca lhe perguntou, com todo o desdém de uma pequena megera destruidora de corações:

- O que foi?

- Vai pra puta que te pariu – respondeu Jorge pela alta, sonora e primeira vez.

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2 comentários:

  1. Pedrão escrevendo de novo sobre sua adolescência! Muito nostálgico! Será que ficaram coisas mal resolvidas?

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  2. O protagonista se chama Jorge, Sr. Anonimo...

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