Tudo junto: Henrique, trabalho, escrever... |
Eu lembro quando comecei a escrever meu primeiro texto para este
blog. Era dezembro, o calor do verão já havia chegado, mesmo sendo
ainda oficialmente primavera. Deitado na minha cama de solteiro,
porta do quarto fechada para otimizar o desempenho do
ar-condicionado, eu encarava a tela do meu laptop (nunca gostei de
usar a palavra notebook) enquanto o calor do pequeno computador,
assim como agora, esquentava minha barriga.
Eu havia acabado de ver algum episódio de Battlestar Galactica e,
como era muito comum àquela época, não conseguia dormir. Havia uma
voz presa dentro de mim que precisava sair. Eu precisava dar vazão à
minha inconformidade, aos meus anseios, a seja lá o que fosse, sob
pena de, literalmente, sofrer fisicamente os efeitos de mais uma
noite reprimindo a urgência que brotava na boca do estômago.
Havia pouco que eu superara um quadro de depressão – sim, hoje eu
posso admitir ter sofrido da doença, mesmo que ainda não goste
muito de falar a respeito. Reprimir aquela voz que brotava, com força
cada vez maior não era de meu interesse. Logo peguei meu velho (que
ainda era novo) laptop e, afinal, usei-o para algo que não jogos ou
filmes.
Escrever seria minha terapia. O escape das minhas decepções
cotidianas em busca de um sonho infantil. Quiçá, da sanidade.
Já desde garoto gostava de escrever. Foi ainda no 1º grau, nas
aulas de português, que descobri possuir a vontade de ser escritor.
Desde cedo fui incentivado a ler. Li muito. Hoje nem tanto quanto
gostaria, mas no colégio.... Nunca encarei de nariz torcido as
leituras obrigatórias. Pelo contrário, costumava ler mais de um
livro das listas apresentadas, apenas para escolher o que eu gostara
mais para responder a prova. De gostar de ler a gostar de escrever
foi natural. Naquele longínquo ano de mil novecentos e noventa e
bolinhas – tenho quase certeza que foi na quinta série – nossa
professora passou o ano inteiro a exigir uma redação semanalmente.
Por vezes o tema era definido previamente, outras vezes era livre.
Lembro-me de uma ocasião em que, apesar de livre o tema, a
professora nos passara uma lista de cerca de vinte palavras
aleatórias e nada relacionadas entre si que obrigatoriamente
deveriam utilizadas. O desafio fez-me contar uma história de
detetive (influência direta de Agatha Christie, que eu muito lia na
época) em que eu precisei de cerca de dez páginas para escrever
tudo o que imaginara. Foi assim que ser escritor tornou-se meu sonho
de menino, logo depois de ser astronauta e viajar pelo espaço. Como
naquela época não existiam astronautas brasileiros, escritor eu
seria.
Enquanto encaro o longo hiato que se instalou no blog desde meu
último post, reflito os motivos para este prolongado silêncio. E,
justiça se faça aos meus amigos, incentivo para escrever não
faltou. Tampouco ocasiões especiais, como datas, acontecimentos
nacionais e internacionais de relevância. Até mesmo boas ideias
para pequenos e medíocres contos de ficção brotaram-me em profusão
neste período (sobretudo no banho), sem que eu tivesse a disciplina
de tomar nota e depois sentar-me com calma e desenvolver o texto.
Primeiramente, minha vida pessoal mudou. O nascimento do Henrique,
que muito me inspirou a escrever algumas de minhas histórias
favoritas, me exige responsabilidades que antes inexistiam. Natural,
portanto, que eu dedique – que eu QUEIRA dedicar – meu tempo
livre para ele ao invés de para o computador e o teclado. Isto e
pelo o importantíssimo fato de que meu filho trouxe-me uma alegria,
uma felicidade tamanha que meu espírito inteiro se elevou. Se antes
eu escrevia com o intuito de exorcizar demônios interiores, na
tentativa de aplacar a voz que surgia, por vezes raivosa, infeliz ou
apenas ansiosa, com a chegada do Henrique isto não mais era
necessário. Ser pai, ou melhor, ser pai do Henrique me fornece toda
a felicidade que preciso para manter-me são. E a voz que urgia
acalmou. Silenciou.
Também profissionalmente encarei mudanças. Ser pai, com todas as
responsabilidades inerentes, me obrigou a buscar algo novo, sobretudo
tendo em perspectiva a condição financeira. Ocorre que ao procurar
dinheiro encontrei nova motivação, que já me faltava quando de
meus primeiros textos, para dedicar-me ainda mais à minha verdadeira
profissão.
Se enquanto criança eu sonhava sem escritor, ser advogado é a
profissão que me define, com muito orgulho e paixão. Nestes últimos
anos descobri em mim o desejo de ser mais que apenas um bom advogado.
Hoje tenho a ambição de ser melhor. Melhor que os outros? Não
necessariamente. Melhor do que sou hoje. Tornar-me um grande
advogado, do tipo que entra no tribunal e faz os estudantes de
direito cochicharem enquanto passo, assim como atletas da categoria
de base do time fazem quando chega os atletas profissionais,
campeões... E tal ambição demanda tempo, esforço, concentração,
de forma que escrever criativamente caiu mais uma posição na lista
de prioridades.
Não que eu tenha deixado de escrever. Pelo contrário. Toda a
experiência amealhada em anos – nas redações escritas a lápis
em folhas de almaço no primeiro grau, no estudo de técnicas de
redação argumentativa durante o segundo grau, nas aventuras
pretensamente literárias que encarei para este blog – me permite
hoje escrever páginas e páginas de conteúdo jurídico
semanalmente. Ao invés de publicar o que escrevo, porém,
protocolizo as peças processuais perante repartições judiciais. Se
há qualidade naquilo que escreve na defesa de meus clientes? Assim
espero e é para isto que trabalho. Porém, sem sombra de dúvidas,
desejar ser escritor fez de mim, ao final e ao cabo, um advogado
melhor.
Encaremos a realidade. Não sou escritor, mas desejava muito sê-lo.
Falta-me algo que ainda não pude descobrir o quê para de fato ser
algo mais que um entusiasta. Não obstante, escrever foi um processo
presente em toda a minha vida. É meu ganha pão e também minha
ferramenta para buscar a singela ambição revelada anteriormente.
Mas é sobretudo um prazer. Pois sempre que escrevi, ao final,
independentemente do texto escrito – e de sua boa ou má qualidade
– restou-me o espírito leve e o sorriso no rosto. Como de alguém
que realiza seu sonho infantil.
E eu nem ao menos lembro o nome da professora para poder agradecê-la
devidamente.
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