Estou nostálgico, mas feliz. Não que interesse a alguém, mas hoje é uma data especial para mim. Muito especial. É meu aniversário de Promessa.
A cada ano, no dia 30 de novembro, me ponho a lembrar de quando, ainda criança, encarei o desafio de fazer algo que fora, de fato, uma escolha minha. Sim, pois alguns anos antes, eu próprio pedi, para surpresa de minha mãe, pra entrar em um grupo escoteiro.
Como eu disse, minha mãe ficou surpresa, em um primeiro momento, mas aceitou e incentivou, tão logo viu que eu não desistiria da ideia. Não era para menos. Tão logo fui alfabetizado, os primeiros livros que me foram comprados, para incentivar a leitura, eram os volumes da Biblioteca do Escoteiro Mirim.
Lembro-me, de forma cristalina, de escolher no encarte do Círculo do Livro - de onde minha mãe comprava os livros para toda a família - de escolher o volume quatro da coleção para ser o primeiro a ser comprado e lido. O motivo? Dizia, abaixo da ilustração sugestiva do personagem Peninha no espaço com roupa de astronauta e microfone, que eu aprenderia a fazer fogo sem fósforos.
Fogo sem fósforos!
Era uma habilidade digna de MagGyver. E eu precisa tê-la, junto com um canivete suíço e uma bússola (exatamente como MacGyver)....
Conseguimos vaga no G.E. Marechal Rondon, perto de onde morávamos no bairro Auxiliadora, somente no ano de 1991. Eu tinha ainda apenas nove anos, mas já fui colocado na tropa júnior. Primeiro sábado, eu, ainda criança, em meio a tantos pré-adolescentes (e alguns já adolescentes) fiquei completamente perdido. Não sabia o que fazer ou deixar de fazer. Mas a recepção foi calorosa, e uma semana depois, em pleno feriadão de Páscoa, eu já estava acampando.
Nada de fogo sem fósforos naquele acampamento, mas dormimos apenas com lonas a proteger do sereno. E nada a proteger dos mosquitos. Três dias acampando, subindo e descendo morros, em trilhas de pedra, lama e chão batido, fazendo junto aos companheiros da Patrulha Pantera nossa própria comida em fogo de chão.
No retorno, já na noite do Domingo de Páscoa, lembro sorridente do suste de minha avó ao abrir a porta de casa para mim. Meu rosto era uma miríade de pontos vermelhos, tantas as picadas de mosquito que levei. De fato, dormir em meio ao zumbido infernal foi horrível. A comida não foi das melhores. Minhas costas doíam. Eu estava com as roupas úmidas e sujas. E ao ser perguntado se eu tinha gostado, a resposta veio imediata: adorei.
De fato, arrisco dizer que o susto maior de minha mãe foi ver que eu decidi continuar no caminho de ser um escoteiro. Experimentar, era esperado. Aprovar e desejar seguir adiante, essa ela não previra.
Tive, ao longo de meu caminho como noviço, um bom monitor. Sem dúvida o melhor que tive - em quem por certo me espelhei quando eu próprio me tornei monitor. Mas por ser ainda uma criança em meio a jovens adolescentes, meu caminho foi mais demorado do que o comum.
Foi um longo ano, o de 1991. Participei de atividades externas, internas, com sol e com chuva. Aprendi a manusear facão e canivete. O primeiro, inclusive, era minha incumbência manter afiado, com uma pedra de amolar, e lubrificado, com óleo de cozinha queimado. Fiz treinamento - ou o mais perto disso, quand se tem entre nove e quatorze anos - de primeiros socorros, de resgate. Aprendi como montar uma barraca. E mais importante: aprendi sobre a história do movimento escoteiro.
História incrível, com seu método de tranformação de meninos em homens e de homens em cidadãos. B.P., Ilha de Brownsea, aperto de mão com a mão esquerda, Mafeking. Aquilo tudo é tão inspirador que, se você, caro amigo que lê este texto, não sabe a que me refiro, menos ainda sabe o que está perdendo...
E a Lei do Escoteiro. Dez leis, artigos, premissas, que de tão simples, são completas para uma vida correta de harmonia e fraternidade. Custei a decorá-las. E somente depois de muito esforço em decorar é que compreendi que não se tratava de decorá-las, e sim de praticá-las, intrinsecamente, em meu viver diário. Simples, como eu disse, mas completo.
O ano de 1991 foi longo, mas chegou, enfim, ao dia 30 de novembro.
Era acampamento de grupo e, lamentavelmente, não tenho lembrança de onde foi. Verdade é que pouco lembro do que se sucedeu naqueles dias de sábado e domingo, porque para todos os efeitos, minha memória marcou a noite.
O Fogo de Conselho, o primeiro que participei com as estrelas sobre minha cabeça e uma enorme fogueira a farfalhar e ofuscar meu olhos (já míopes), terminou com um emocionante Kumbaya e um Sempre Alerta que ecoou por entre os campos e árvores. Creio - não, tenho certeza - que aquele momento, como em tantos outros fogos depois, permite nossas almas se elevarem. E aquela foi apenas a primeira vez que senti a emoção de um aperto de mão entre irmãos.
Mas foi depois de encerrada a cadeia da fraternidade - que não é mais que um até logo, nem mais que um breve adeus - na virada da noite do dia 30 de novembro para a madrugada do dia 1º de dezembro (exatamente como agora, enquanto escrevo, veja só) que fui conduzido, junto com outros oito noviços, de olhos vendados e por entre campos alagados, e depois rochosos, e depois com árvores... até chegar, enfim, a uma pequena clareira, dentre a mata, um pequeno templo da natureza, onde nos aguardava o restante da Tropa Júnior e nossos chefes.
Eu era o oitavo na fila de nove. E a cada irmão que cortava a corda, após sua promessa, meu nervosismo aumentava. Por entre duas árvores, estava posta bandeira nacional. Em frente a ela, cravada no chão, três cruzes, feita com pedaços de taquara seca unidas por amarras quadradas. Colocado em um sopé de árvore, uma fotografia (ou seria uma aquarela?) com a imagem de Baden-Powell, em seu indefectível uniforme caqui, devidamente emoldurada, ao lado de outro quadro, com a Lei Escoteira. A luz provinha apenas das inúmeras velas dispostas ao redor do círculo, conferindo um iluminação bruxuleante, intimista, perfeita para a ocasião.
Porém, a medida que avançava a noite - pois uma cerimônia de promessa não se pode, jamais, apressar; ela é marca eterna na mente e coração de um escoteiro, e merece todo o respeito e liturgia que se posse entregar - minha ansiedade só aumentava, e meus olhos, que já não enxergavam bem por conta da miopia, passaram a enxergar menos ainda com as lágrimas que teimavam em brotar contra meus esforços mais desesperados de não passar vergonha em frente à tropa. Não sei, e nem nunca vou saber, que horas eram quando enfim chamaram meu nome, para eu dar aquele passo que, deveras, transformou para sempre minha vida. Para meu orgulho pessoal, dos quatro chefes presentes, quem me estendeu a mão - esquerda - foi o já veterano Chefe Eloé, nosso chefe de grupo.
Engasguei.
Com uma tranquilidade e serenidade que apenas os sábios sabem transparecer, pediu calmamente que eu repetisse as palavras dele. Eu havia estudado incansavelmente aquele texto até decorá-lo, mas junto no momento mais importante, eu era incapaz de falar. Branco total. Mas o bom chefe não me deixaria a esmo. Com sua placidez, entoou os versos para que eu os repetisse, ritmicamente, e enfim me tornasse escoteiro.
Prometo pela minha honra
fazer o melhor possível
para: Cumprir os meu deveres
para com Deus e minha Pátria;
Ajudar ao próximo
em toda e qualquer ocasião;
E obedecer à Lei Escoteira.
Ao final, promessa tomada, promessa feita, me foi dito para eu me por em frente ao meus irmãos, e o mais alto, saudá-los com o grito e sinal escoteiro. O gesto, com os três dedos (indicador, médio e anelar) esticados junto à testa foi fácil. A saudação, porém, foi um grunhido emocionado, engasgado, resultado de uma longa caminhada de oito meses, para um menino de, então, apenas dez anos, que mal sabia que o melhor ainda estaria por vir.
A tropa, em resposta, bradou alto, um grito ainda hoje a retumbar em meu peito. SEMPRE ALERTA.
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A cada ano, no dia 30 de novembro, me ponho a lembrar de quando, ainda criança, encarei o desafio de fazer algo que fora, de fato, uma escolha minha. Sim, pois alguns anos antes, eu próprio pedi, para surpresa de minha mãe, pra entrar em um grupo escoteiro.
Como eu disse, minha mãe ficou surpresa, em um primeiro momento, mas aceitou e incentivou, tão logo viu que eu não desistiria da ideia. Não era para menos. Tão logo fui alfabetizado, os primeiros livros que me foram comprados, para incentivar a leitura, eram os volumes da Biblioteca do Escoteiro Mirim.
Lembro-me, de forma cristalina, de escolher no encarte do Círculo do Livro - de onde minha mãe comprava os livros para toda a família - de escolher o volume quatro da coleção para ser o primeiro a ser comprado e lido. O motivo? Dizia, abaixo da ilustração sugestiva do personagem Peninha no espaço com roupa de astronauta e microfone, que eu aprenderia a fazer fogo sem fósforos.
Fogo sem fósforos!
Era uma habilidade digna de MagGyver. E eu precisa tê-la, junto com um canivete suíço e uma bússola (exatamente como MacGyver)....
Conseguimos vaga no G.E. Marechal Rondon, perto de onde morávamos no bairro Auxiliadora, somente no ano de 1991. Eu tinha ainda apenas nove anos, mas já fui colocado na tropa júnior. Primeiro sábado, eu, ainda criança, em meio a tantos pré-adolescentes (e alguns já adolescentes) fiquei completamente perdido. Não sabia o que fazer ou deixar de fazer. Mas a recepção foi calorosa, e uma semana depois, em pleno feriadão de Páscoa, eu já estava acampando.
Nada de fogo sem fósforos naquele acampamento, mas dormimos apenas com lonas a proteger do sereno. E nada a proteger dos mosquitos. Três dias acampando, subindo e descendo morros, em trilhas de pedra, lama e chão batido, fazendo junto aos companheiros da Patrulha Pantera nossa própria comida em fogo de chão.
No retorno, já na noite do Domingo de Páscoa, lembro sorridente do suste de minha avó ao abrir a porta de casa para mim. Meu rosto era uma miríade de pontos vermelhos, tantas as picadas de mosquito que levei. De fato, dormir em meio ao zumbido infernal foi horrível. A comida não foi das melhores. Minhas costas doíam. Eu estava com as roupas úmidas e sujas. E ao ser perguntado se eu tinha gostado, a resposta veio imediata: adorei.
De fato, arrisco dizer que o susto maior de minha mãe foi ver que eu decidi continuar no caminho de ser um escoteiro. Experimentar, era esperado. Aprovar e desejar seguir adiante, essa ela não previra.
Tive, ao longo de meu caminho como noviço, um bom monitor. Sem dúvida o melhor que tive - em quem por certo me espelhei quando eu próprio me tornei monitor. Mas por ser ainda uma criança em meio a jovens adolescentes, meu caminho foi mais demorado do que o comum.
Foi um longo ano, o de 1991. Participei de atividades externas, internas, com sol e com chuva. Aprendi a manusear facão e canivete. O primeiro, inclusive, era minha incumbência manter afiado, com uma pedra de amolar, e lubrificado, com óleo de cozinha queimado. Fiz treinamento - ou o mais perto disso, quand se tem entre nove e quatorze anos - de primeiros socorros, de resgate. Aprendi como montar uma barraca. E mais importante: aprendi sobre a história do movimento escoteiro.
História incrível, com seu método de tranformação de meninos em homens e de homens em cidadãos. B.P., Ilha de Brownsea, aperto de mão com a mão esquerda, Mafeking. Aquilo tudo é tão inspirador que, se você, caro amigo que lê este texto, não sabe a que me refiro, menos ainda sabe o que está perdendo...
E a Lei do Escoteiro. Dez leis, artigos, premissas, que de tão simples, são completas para uma vida correta de harmonia e fraternidade. Custei a decorá-las. E somente depois de muito esforço em decorar é que compreendi que não se tratava de decorá-las, e sim de praticá-las, intrinsecamente, em meu viver diário. Simples, como eu disse, mas completo.
O ano de 1991 foi longo, mas chegou, enfim, ao dia 30 de novembro.
Era acampamento de grupo e, lamentavelmente, não tenho lembrança de onde foi. Verdade é que pouco lembro do que se sucedeu naqueles dias de sábado e domingo, porque para todos os efeitos, minha memória marcou a noite.
O Fogo de Conselho, o primeiro que participei com as estrelas sobre minha cabeça e uma enorme fogueira a farfalhar e ofuscar meu olhos (já míopes), terminou com um emocionante Kumbaya e um Sempre Alerta que ecoou por entre os campos e árvores. Creio - não, tenho certeza - que aquele momento, como em tantos outros fogos depois, permite nossas almas se elevarem. E aquela foi apenas a primeira vez que senti a emoção de um aperto de mão entre irmãos.
Mas foi depois de encerrada a cadeia da fraternidade - que não é mais que um até logo, nem mais que um breve adeus - na virada da noite do dia 30 de novembro para a madrugada do dia 1º de dezembro (exatamente como agora, enquanto escrevo, veja só) que fui conduzido, junto com outros oito noviços, de olhos vendados e por entre campos alagados, e depois rochosos, e depois com árvores... até chegar, enfim, a uma pequena clareira, dentre a mata, um pequeno templo da natureza, onde nos aguardava o restante da Tropa Júnior e nossos chefes.
Eu era o oitavo na fila de nove. E a cada irmão que cortava a corda, após sua promessa, meu nervosismo aumentava. Por entre duas árvores, estava posta bandeira nacional. Em frente a ela, cravada no chão, três cruzes, feita com pedaços de taquara seca unidas por amarras quadradas. Colocado em um sopé de árvore, uma fotografia (ou seria uma aquarela?) com a imagem de Baden-Powell, em seu indefectível uniforme caqui, devidamente emoldurada, ao lado de outro quadro, com a Lei Escoteira. A luz provinha apenas das inúmeras velas dispostas ao redor do círculo, conferindo um iluminação bruxuleante, intimista, perfeita para a ocasião.
Porém, a medida que avançava a noite - pois uma cerimônia de promessa não se pode, jamais, apressar; ela é marca eterna na mente e coração de um escoteiro, e merece todo o respeito e liturgia que se posse entregar - minha ansiedade só aumentava, e meus olhos, que já não enxergavam bem por conta da miopia, passaram a enxergar menos ainda com as lágrimas que teimavam em brotar contra meus esforços mais desesperados de não passar vergonha em frente à tropa. Não sei, e nem nunca vou saber, que horas eram quando enfim chamaram meu nome, para eu dar aquele passo que, deveras, transformou para sempre minha vida. Para meu orgulho pessoal, dos quatro chefes presentes, quem me estendeu a mão - esquerda - foi o já veterano Chefe Eloé, nosso chefe de grupo.
Engasguei.
Com uma tranquilidade e serenidade que apenas os sábios sabem transparecer, pediu calmamente que eu repetisse as palavras dele. Eu havia estudado incansavelmente aquele texto até decorá-lo, mas junto no momento mais importante, eu era incapaz de falar. Branco total. Mas o bom chefe não me deixaria a esmo. Com sua placidez, entoou os versos para que eu os repetisse, ritmicamente, e enfim me tornasse escoteiro.
Prometo pela minha honra
fazer o melhor possível
para: Cumprir os meu deveres
para com Deus e minha Pátria;
Ajudar ao próximo
em toda e qualquer ocasião;
E obedecer à Lei Escoteira.
Ao final, promessa tomada, promessa feita, me foi dito para eu me por em frente ao meus irmãos, e o mais alto, saudá-los com o grito e sinal escoteiro. O gesto, com os três dedos (indicador, médio e anelar) esticados junto à testa foi fácil. A saudação, porém, foi um grunhido emocionado, engasgado, resultado de uma longa caminhada de oito meses, para um menino de, então, apenas dez anos, que mal sabia que o melhor ainda estaria por vir.
A tropa, em resposta, bradou alto, um grito ainda hoje a retumbar em meu peito. SEMPRE ALERTA.
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Que lindo Pedroo!!! Me emocionei horrores aqui lembrando da minha promessa. #saudadesrondon SEMPRE ALERTA!
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