Se tem um amigo de quem eu muito
gosto, é do Rafão. Por anos a fio convivemos cotidianamente,
dividindo festas e aventuras. E foi assim, em uma das inúmeras
festas organizadas pelo Ricardo, que o Rafão conquistou a
Claudinha.
O casamento do Rafão com a
Cláudia – Claudinha para os mais chegados – foi um evento
daqueles dignos de nota de colunista brega nas colunas sociais dos
jornais da província. Festão no salão nobre do clube mais
aristocrata, com bebida e comida da melhor qualidade bancadas pela
herança do avô, que o Seu Flávio, pai do Rafão, não se furtou em
gastar ao ver que o filho havia arranjado uma bela noiva – que
segundo Seu Flávio, era muito areia para o caminhãozinho do filho.
A festa em si merece uma história
própria, em outro momento e outra noite – afinal, apenas o
episódio em que o Julinho dera “perda total” e vomitara debaixo
das mesas do jantar, ao ponto de necessitar ser carregado pelo Cenoura e pelo Beto para casa, depois de ser o par de dança da mãe do
Rafão, já seria digna de um registro por si só. Por ora me limito
a dizer que foi uma baita festa em que ninguém imaginava que
Claudinha já estava grávida!
Sim,
nossa turma envelheceu. E justo o Rafão foi o primeiro a ser pai. E
cedo. Recém saído da
faculdade de Administração,
e o Fabinho nascera.
Fiquei
muito feliz com o convite para ser padrinho do Pequeno Fabinho. O
guri era – e ainda é – a cara do Rafão; mas como a Claudinha
sempre disse, “importante é ter saúde, né?”. Mesmo
sendo próximo de ambos – Claudinha é prima em segundo grau da
minha esposa; Rafão eu conheci quando éramos ainda crianças -
eu jamais poderia imaginar que criar um filho tão jovem, como
fizeram Rafão e Claudia,
pudesse abalar o que parecia ser um casal perfeito.
Quando
Fabinho se formou na Faculdade de
Direito – sim, já envelhecemos a tal ponto – mal havíamos
entrado na casa dos quarenta. Na condição de padrinho, e seu mais
próximo “familiar” a ter graduado em Direito, fui convidado por
Fabinho a lhe entregar o diploma em sua solenidade de formatura. Um
momento que levarei para sempre comigo, já que o filho de meu melhor
amigo era como um filho para mim, e como um irmão maior para minha
pequena dupla.
Porém,
quando da formatura, Rafão e Claudinha não mais estavam casados.
Coisas da vida, diria o Cenoura. E realmente, da mesma forma como o Rafão e a Claudinha
combinavam em várias coisas, verdade é que discordavam em número
maior ainda sobre tantas outras. Ainda mais depois do nascimento do
Fabinho.
O
divórcio foi consensual. O litígio veio anos depois, quando
Claudinha casou com ninguém menos
que o Ricardo. Justamente o Ricardo. Eu, como amigo de ambos, sei bem
que foi por acaso que o Ricardo encontrou a Cláudia, já divorciada,
na noite para então engajar namoro e casamento. Mas para o Rafão,
foi algo devastador. Ter sua ex, a mulher da
sua vida e que muitos
julgavam perfeita - “muita areia para seu caminhão”, a voz do
Seu Flávio retumbava – casada com um de seus melhores amigos foi
um duro golpe.
Por
tal razão, na recepção de formatura do Fabinho, lá estava o
Rafão, em seu novo terno (afinal de contas, os antigos já não mais
serviam na cintura). Claudinha, a bem da verdade, envelhecera mal.
Mas ainda estava feliz com Ricardo. E tanto o Cenoura, o Beto ou eu,
estávamos todos casados (o Beto no segundo casamento, mas enfim…).
Já o Rafão seguia só, desde o divórcio.
Não
sei dizer se foi porque todos estávamos presentes na formatura
devidamente acompanhados das esposas, se era pela Claudinha sentada
juntamente com o Ricardo, mas o Rafão parecia determinado a ser o
velho Rafão de guerra. E isto, claro, não era algo auspicioso.
Passava
da meia-noite quanto o Fabinho resolvera fazer uma homenagem às
convidadas mulheres presentes à sua recepção de formatura. Se por
um lado o guri conseguira ter mais sucesso que o pai nas suas
aventuras românticas, por outro possuía
a boa e velha canastrice que
o Rafão exalava. E isso, para nós da velha guarda, sempre foi
motivo de risadas nos churrascos em Guaíba na casa do Beto…
Pois
o Fabinho decidira, sem avisar a ninguém – exceto o Rafão, lógico
– presentear a cada convidada
com um botão de rosa. Os garçons entregaram a todas as presentes,
sem exceção, os mimos, enquanto Fabinho discursava algo que,
confesso, não dei ouvidos,
pois minha atenção
era apenas para a cena que se formava em minha frente.
Na
mesa ao lado em que Cenoura, Beto e eu bebíamos, sem qualquer pudor,
um Johnnie Walker Blue Label – não
me julguem, o Rafão estava
pagando! - estavam sentados o Rafão e um grupo de moças, muito
bonitas, que supus serem colegas de faculdade do Fabinho. Ou seja,
moças em seus vinte e poucos anos, mesma idade de Rafão, agora
com o dobro, quando se
casara.
Mas
o olhar de
tigre do Rafão
não deixava dúvidas. Ele estava pelo crime. Sede.
Enquanto
Fabinho
desfilava as palavras languidas de um típico formando em Direito,
Rafão não perdeu tempo a buscar conversa com as jovens moças. Na
verdade, a se intrometer, suavemente, na conversa das mesmas…
Valendo-se da condição de pai do formando, aproximou-se, sentou-se
à mesa, e colocou seu velho charme em ação.
-
Que rosas lindas. Sintam o
perfume – comentou uma das
moças, com os cabelos falsamente loiros presos em um coque que
expunham nu o longo e acetinado pescoço, adornado por uma pequena
tatuagem de um par e golfinhos.
-
Nossa, eu adoraria uma
banheira cheia dessas pétalas – referiu outra moça, longos
cabelos negros e feições orientais e delicadas, em um minimalista
vestido de seda vermelho.
-
Sim, muito lindas – completou outra moça, de tez castanha e olhos amendoados, com os lábios
fartos e caprichosamente pintados de vermelho.
Quanto será que custa um botão?
A
pergunta se apresentou como uma oportunidade para Rafão. Sorvendo
mais um gole do uísque, chutei as canelas do Cenoura e, com a cabeça,
sinalizei para que se virasse em sua cadeira, em direção ao
majestoso quarentão que se dirigia às moçoilas universitárias tal
qual um tigre aproxima-se de um bando de gazelas.
-
Sabem – Rafão falou com a voz empolada e com os olhos sérios –
por um botão eu pago até quinhentos reais…
Breve
silêncio, rompido enfim pela moça de cabelos loiros:
-
Credo. Isso tu tens que falar pras tuas mulheres das esquinas da
Farrapos, tio.
TIO.
Deu pra ver a fúria crescendo na vermelhidão do pescoço do Rafão.
Todavia, com a calma e voz aveludada de um experiente na arte,
ele
respondeu prontamente:
-
Minhas queridas, primeiro que nas esquinas da Farrapos não são
mulheres.
Os
olhos das meninas se arregalaram, antes mesmo que terminássemos de
esboçar os sorrisos que virariam gargalhadas. Rafão completou:
-
E segundo, que nestes
casos eu pago apenas vinte…
As
três se levantaram de pronto da mesa. E nós três brindamos em
direção ao Rafão e ao Fabinho!
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