Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

sábado, 23 de março de 2019

BOTÕES

Se tem um amigo de quem eu muito gosto, é do Rafão. Por anos a fio convivemos cotidianamente, dividindo festas e aventuras. E foi assim, em uma das inúmeras festas organizadas pelo Ricardo, que o Rafão conquistou a Claudinha.

O casamento do Rafão com a Cláudia – Claudinha para os mais chegados – foi um evento daqueles dignos de nota de colunista brega nas colunas sociais dos jornais da província. Festão no salão nobre do clube mais aristocrata, com bebida e comida da melhor qualidade bancadas pela herança do avô, que o Seu Flávio, pai do Rafão, não se furtou em gastar ao ver que o filho havia arranjado uma bela noiva – que segundo Seu Flávio, era muito areia para o caminhãozinho do filho.

A festa em si merece uma história própria, em outro momento e outra noite – afinal, apenas o episódio em que o Julinho dera “perda total” e vomitara debaixo das mesas do jantar, ao ponto de necessitar ser carregado pelo Cenoura e pelo Beto para casa, depois de ser o par de dança da mãe do Rafão, já seria digna de um registro por si só. Por ora me limito a dizer que foi uma baita festa em que ninguém imaginava que Claudinha já estava grávida!


Sim, nossa turma envelheceu. E justo o Rafão foi o primeiro a ser pai. E cedo. Recém saído da faculdade de Administração, e o Fabinho nascera.

Fiquei muito feliz com o convite para ser padrinho do Pequeno Fabinho. O guri era – e ainda é – a cara do Rafão; mas como a Claudinha sempre disse, “importante é ter saúde, né?”. Mesmo sendo próximo de ambos – Claudinha é prima em segundo grau da minha esposa; Rafão eu conheci quando éramos ainda crianças - eu jamais poderia imaginar que criar um filho tão jovem, como fizeram Rafão e Claudia, pudesse abalar o que parecia ser um casal perfeito.

Quando Fabinho se formou na Faculdade de Direito – sim, já envelhecemos a tal ponto – mal havíamos entrado na casa dos quarenta. Na condição de padrinho, e seu mais próximo “familiar” a ter graduado em Direito, fui convidado por Fabinho a lhe entregar o diploma em sua solenidade de formatura. Um momento que levarei para sempre comigo, já que o filho de meu melhor amigo era como um filho para mim, e como um irmão maior para minha pequena dupla.

Porém, quando da formatura, Rafão e Claudinha não mais estavam casados. Coisas da vida, diria o Cenoura. E realmente, da mesma forma como o Rafão e a Claudinha combinavam em várias coisas, verdade é que discordavam em número maior ainda sobre tantas outras. Ainda mais depois do nascimento do Fabinho.

O divórcio foi consensual. O litígio veio anos depois, quando Claudinha casou com ninguém menos que o Ricardo. Justamente o Ricardo. Eu, como amigo de ambos, sei bem que foi por acaso que o Ricardo encontrou a Cláudia, já divorciada, na noite para então engajar namoro e casamento. Mas para o Rafão, foi algo devastador. Ter sua ex, a mulher da sua vida e que muitos julgavam perfeita - “muita areia para seu caminhão”, a voz do Seu Flávio retumbava – casada com um de seus melhores amigos foi um duro golpe.

Por tal razão, na recepção de formatura do Fabinho, lá estava o Rafão, em seu novo terno (afinal de contas, os antigos já não mais serviam na cintura). Claudinha, a bem da verdade, envelhecera mal. Mas ainda estava feliz com Ricardo. E tanto o Cenoura, o Beto ou eu, estávamos todos casados (o Beto no segundo casamento, mas enfim…). Já o Rafão seguia só, desde o divórcio.

Não sei dizer se foi porque todos estávamos presentes na formatura devidamente acompanhados das esposas, se era pela Claudinha sentada juntamente com o Ricardo, mas o Rafão parecia determinado a ser o velho Rafão de guerra. E isto, claro, não era algo auspicioso.

Passava da meia-noite quanto o Fabinho resolvera fazer uma homenagem às convidadas mulheres presentes à sua recepção de formatura. Se por um lado o guri conseguira ter mais sucesso que o pai nas suas aventuras românticas, por outro possuía a boa e velha canastrice que o Rafão exalava. E isso, para nós da velha guarda, sempre foi motivo de risadas nos churrascos em Guaíba na casa do Beto…

Pois o Fabinho decidira, sem avisar a ninguém – exceto o Rafão, lógico – presentear a cada convidada com um botão de rosa. Os garçons entregaram a todas as presentes, sem exceção, os mimos, enquanto Fabinho discursava algo que, confesso, não dei ouvidos, pois minha atenção era apenas para a cena que se formava em minha frente.

Na mesa ao lado em que Cenoura, Beto e eu bebíamos, sem qualquer pudor, um Johnnie Walker Blue Label – não me julguem, o Rafão estava pagando! - estavam sentados o Rafão e um grupo de moças, muito bonitas, que supus serem colegas de faculdade do Fabinho. Ou seja, moças em seus vinte e poucos anos, mesma idade de Rafão, agora com o dobro, quando se casara.

Mas o olhar de tigre do Rao não deixava dúvidas. Ele estava pelo crime. Sede.

Enquanto Fabinho desfilava as palavras languidas de um típico formando em Direito, Rafão não perdeu tempo a buscar conversa com as jovens moças. Na verdade, a se intrometer, suavemente, na conversa das mesmas… Valendo-se da condição de pai do formando, aproximou-se, sentou-se à mesa, e colocou seu velho charme em ação.

- Que rosas lindas. Sintam o perfume – comentou uma das moças, com os cabelos falsamente loiros presos em um coque que expunham nu o longo e acetinado pescoço, adornado por uma pequena tatuagem de um par e golfinhos.

- Nossa, eu adoraria uma banheira cheia dessas pétalas – referiu outra moça, longos cabelos negros e feições orientais e delicadas, em um minimalista vestido de seda vermelho.

- Sim, muito lindas – completou outra moça, de tez castanha e olhos amendoados, com os lábios fartos e caprichosamente pintados de vermelho. Quanto será que custa um botão?

A pergunta se apresentou como uma oportunidade para Rafão. Sorvendo mais um gole do uísque, chutei as canelas do Cenoura e, com a cabeça, sinalizei para que se virasse em sua cadeira, em direção ao majestoso quarentão que se dirigia às moçoilas universitárias tal qual um tigre aproxima-se de um bando de gazelas.

- Sabem – Rafão falou com a voz empolada e com os olhos sérios – por um botão eu pago até quinhentos reais…

Breve silêncio, rompido enfim pela moça de cabelos loiros:

- Credo. Isso tu tens que falar pras tuas mulheres das esquinas da Farrapos, tio.

TIO. Deu pra ver a fúria crescendo na vermelhidão do pescoço do Rafão. Todavia, com a calma e voz aveludada de um experiente na arte, ele respondeu prontamente:

- Minhas queridas, primeiro que nas esquinas da Farrapos não são mulheres.

Os olhos das meninas se arregalaram, antes mesmo que terminássemos de esboçar os sorrisos que virariam gargalhadas. Rafão completou:

- E segundo, que nestes casos eu pago apenas vinte…

As três se levantaram de pronto da mesa. E nós três brindamos em direção ao Rafão e ao Fabinho!

***************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário