O sol ainda não havia nascido quando o despertador tocou. Na verdade, o que tocou era o telefone celular dele deixado na cabeceira da cama, no lado oposto em que ela dorme. Os lençóis estavam revirados. As cobertas, caídas ao chão. A noite foi dolorida, sofrida e sobretudo mal dormida. Os olhos dela ardiam das lágrimas que ainda agora continuavam a marcar sua face. E o despertador a tocar.
O dia estava prestes a começar, mas ela não podia imaginar por onde começar. A discussão na noite anterior e a dor do choro que durou toda a madrugada eram quase impossíveis de suportar, mas ainda assim não eram nada em comparação a encontrar a cama vazia ao acordar. Pela primeira vez em anos ele não dormira em casa, nem sequer no sofá. E o dia exigia que ela levantasse e fosse tomar o café da manhã.
A cozinha, toda branca, estava igual. As panelas, ainda com comida, juntavam formigas no fogão. No chão, os pratos quebrados com restos de comida, jogados ali no calor da discussão. Entrar naquele ambiente era difícil para ela. Não apenas pela dificuldade de circular em meio ao caos, mas pela sensação de ouvir as paredes repetindo as agressões e insultos proferidos a menos de dez horas atrás.
O café preto não foi capaz de lhe animar, mas após enxaguar bem o rosto foi possível disfarçar as lágrimas. Sorte que a previsão era de sol forte, pois assim poderia usar os óculos escuros para disfarçar as olheiras. Ela colocou sua melhor roupa, mesmo sendo apenas mais um dia de trabalho, como se assim fosse possível elever seu espírito. Por mais que desejasse, não conseguia parar de pensar nele. Onde estava? Onde dormiu? Será que ele conseguiu dormir? Por que não levou a droga do celular? Por que ele fez aquilo?
Preferiu ir de táxi para o trabalho. Apesar dele ter tido a decência de deixar o carro na garagem de casa, ela sabia que não estava em condições de dirigir até o trabalho. Será que ele estaria lá? Evidente que ele iria trabalhar, nunca faltava, mesmo quando doente. Era preciso que o próprio diretor da empresa lhe mandasse para casa. Trabalhavam juntos a tanto tempo que a rotina sozinha lhe era estranha. Como seria o ambiente de trabalho, com os demais colegas lhe perguntando onde estava seu marido?
Apesar de todo o acontecido, chegou na hora para o trabalho. Não que lhe fosse exigido o cumprimento de horário. Na condição de sub-diretora, ela gozava de alguns privilégios. Mas mesmo assim, lá estava ela, pronta para o trabalho e sozinha na repartição. Nenhum de seus colegas havia chegado para o trabalho. Nem mesmo ele. Sozinha e deprimida, sentou em sua sala e engoliu o choro que tentava emergir. Tapou a boca com as costas da mão e engoliu em seco. Naquele momento, não soube precisar se a dor que sentiu em sua garganta tinha origem física ou psicológica. Permaneceu sentada, em silêncio, até que, sem perceber, fechou os olhos e cochilou. Estranhamente, o sono era reconfortante e revigorante, com sonhos tranquilos e pacíficos, bem diferente da última madrugada, em que nas vezes que tentara dormir lhe vinham pesadelos e tremores que impediam que ela relaxasse. Ali, no silêncio do escritório, adormeceu e pode finalmente descansar e parar de pensar nele e na briga que tiveram.
Quando acordou, o fez de súbito. Um espasmo percorreu todo seu corpo lhe fazendo pular da cadeira com o coração acelerado. Quanto tempo tinha ela dormido? Onde estavam os outros? Onde estava ele? Por que não lhe ligara até agora? Está bem, ela disse para ele não ligar, mas não esperava que ele obedecesse. Ele nunca fazia o que ela dizia, nem mesmo no trabalho, em que ela era sua superiora hierárquica. Mas diabos, onde estavam todos? Ela certamente não desejava enfrentar as perguntas dos colegas sobre o paradeiro dele ou mesmo o porque das olheiras e de seu sumiço, mas a completa ausência de todos no setor parecia uma piada do destino – e de muito mal gosto.
Resolveu ver as horas. Não sabia quanto tempo havia dormido. Pegou o celular em sua bolsa – o relógio, que tanto gostava, arrebentou durante a discussão quando ele a pegou pelo pulso para impedir que ela lhe acertasse um tapa no rosto. Somente então descobriu que o telefone estava sem bateria. Ah, meu Deus, será que ele ligou? Quanto tempo estava sem bateria? Imediatamente foi até a segunda gaveta da mesa, onde guardava um recarregagor, dentro de uma caixa de couro horrivelmente brega que ele lhe deu de presente certa vez. Conectou o aparelho na tomada, esperou alguns segundos e ligou o telefone celular. Mais do que nunca detestou aquela chata e insuportável música de saudação do telefone. Quando o telefone finalmente ligou, pode ver que passavam das nove e meia da manhã. Então, começou. Dezenas de mensagens de ligações perdidas. O número ela conhecia, era do celular de sua sogra. Bem típico dele. Discutir com ela e procurar refúgio na casa da mamãe. Será que ele dormiu lá? Seria bom se ele tivesse dormido na casa da mãe?
Então, sem mais por esperar, chegou uma última mensagem de texto. Enviada do celular da mãe dele. “Me liga. Urgente.” E agora? Fora ele quem mandou a mensagem? Afinal, que mensagem desaforada era essa, sem nem mesmo um pedido de desculpas, nem mesmo um “eu te amo” para suavizar tudo? Sabia que ele, quando irritado, podia ser insensível ou rancoroso até, mas isso era demais. Deveria ela ligar? E se a mensagem fosse mesmo da mãe dele?
Resolveu ligar. Fazendo o máximo de esforço para esconder suas emoções, ligou para o celular de sua sogra. Após algumas chamadas, finalmente atenderam o telefone. Falou secamente, porém baixo, como se tivesse vergonha que ouvissem sua voz – onde estavam todos? Mal começou a conversa e desligou o telefone. Saiu correndo, nervosamente, sem nem ao menos perceber que o telefone ainda estava conectado à tomada na parede. Não se importou com o fato de arrebentar o fio do carregador. Apenas saiu correndo, chocada e abalada demais para pensar em qualquer coisa. A rua, movimentada de pedestres, parecia mover-se em câmera lenta. Entrou no primeiro táxi do ponto em frente à empresa. E seguiu para o hospital.
Ao chegar ao Hospital Central, não conseguia pensar em mais nada. A discussão, a briga que tiveram, nada mais importava. Nem mesmo pensava mais no motivo de toda a celeuma. Então, na sala de espera da UTI, todas suas respostas foram respondidas. Lá estavam todos seus colegas de trabalho. E lá dentro, ele. Por isso não ligou. Por isso não foi trabalhar. Seu cunhado lhe explicou tudo. Ele estava no lugar errado na hora errada. De repente, ela desejou tudo de volta. A briga, a discussão, a tristeza, o choro, a incerteza. Tudo era melhor que a resposta e a verdade.
Dentro da UTI, nada de desculpas ou perdões. Apenas o adeus.
Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.
domingo, 30 de agosto de 2009
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Um Pouco de Carinho
No último dia onze de agosto se comemou o Dia do Avogado. Meu dia. Curiosamente, apenas uma pessoa próxima lembrou e ligou para meu telefone para desejar felicidades. Clientes, amigos, familiares, todos, enfim, esqueceram da data ou o seu significado. Tal esquecimento generalizado é sintomático: a profissão do advogado perde, a cada dia, um pouco de sua dignidade perante o público em geral.
Permenace vívida em minha memória minha primeira aula na Faculdade de Direito da UFRGS quando o professor Manoel André da Rocha, da cadeira de Introdução à Ciência do Direito, discorreu sobre o dia onze agosto. Seu resgate histórico ensinou-me que a data correspondia ao dia de instalação das primeiras faculdades de Direito do Brasil, em São Paulo e Olinda. Dizia ele, pois, tratar-se de uma data prestigiada no mundo jurídico, sendo também uma data alusiva ao estudante de Direito. E também o Dia do Pindura, tão folclórico.
Todavia, mesmo em meio a uma campanha da OAB de resgate do orgulho do profissional advogado – a partir da qual se passou a celebrar o mês do advogado, e não apenas o dia – o profissional da advocacia continua esquecido e desconhecido da população. Evidente que todos sabem da profissão. Tanto sabem que somos protagonistas de excelentes piadas e anedotas. Mas somos muito mais. E por alguma razão, essa sabedoria se perdeu em meio à multidão.
O advogado é a tropa de choque da cidadania. Diariamente os periódicos inundam a vizinhança com notícias de desrespeito à coisa pública, aos direitos dos consumidores, a preceitos sagrados como a vida e integridade pessoal e patrimonial. Em meio a tantos abusos – sejam por pessoas sem consciência dos valores de vida em sociedade, seja pelo Estado ou Administração, que sufocam a população com medidas contrárias à lei – cabe ao advogado lutar por seu cliente. E mais. O advogado não batalha apenas por seu cliente, mas por toda a sociedade: a justiça de um é a justiça de todos. Ou assim deveria ser. Os valores contidos no exercício da advocacia são, pois, a defesa da população contra os abusos de toda a ordem.
Se cabe à advocacia defender a sociedade, quem protege o advogado? Ironicamente, vivemos uma crise institucional em todas as esferas da República justamente no momento de maior descaso com a profissão do advogado. Há um movimento silencioso para desmoralzar a classe. Clientes não mais respeitam seus patronos. Infelizmente, é cada vez mais comum ver clientes passarem calote e deixarem de pagar os honorários acordados. Buscam soluções mágicas às situações oriundas muitas vezes irresponsabilidade. E, mesmo quando o profissional da advocacia consegue solucionar o problema, são hostilizados por cobrarem – legitimamente, diga-se – por seu trabalho. Isso sem contar que a cada ato controverso, polêmico ou absurdo cometido por membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público, o que se houve em uníssono nas ruas é o já famoso bordão “Advogado é f*da”.
De outro lado, os demais operadores do Direito pouco prestam respeito à classe de advogados. Isso me faz lembrar de outra aula dos tempos de faculdade. Ao ser apresentado às primeiras noções da cadeira de Processo Civil, o professor Rui Portanova, destacado desembargador e a quem considero, além de mestre, amigo, desenhou no quadro um triângulo, e dizia em alto e bom som: “este é o tripé da Justiça”. O tal tripé era formado por magistrados, promotores de justiça e advogados. E ensinava o bom mestre que não existia diferenças ou hirarquia entre eles. Todos são indispensáveis à Justiça, cada qual com sua atribuição. Mais uma vez, infelizmente não é assim na prática. A cada dia milhares de colegas advogados são aviltados em suas prerrogativas profissionais, em diversas circusntâncias. Para piorar, há a sistemática supressão de honorários de sucumbência, mediante compensação ou mesmo através de fixação de verba honorária ao arrepio da lei, em valores ínfimos, em flagrante prejuízo do sustento do profissional advogado e sua família.
Mesmo com o desabafo da falta de reconhecimento – e sobretudo respeito – por parte da população em geral e dos demais operadores do Direito, o que mais machuca é ver a advocacia e a profissão ser molestada por outros advogados. Apesar de ser a excesão à regra, a falta de decoro e comprometimento ao juramento praticado por alguns pretensos profissionais mancham a reputação de todos. A proliferação de cursos jurídicos no país – que começaram apenas com aquelas duas faculdade, em 11 de agosto de 1827 – a grande maioria de baixíssima qualidade (se é que há alguma qualidade no ensino em faculdades caça-níqueis) faz com que a cada ano milhares – isso mesmo, milhares – de novos bacharéis em Direito tentem fazer da advocacia um passatempo. Nesse exato momento, centenas e centenas de “colegas” advogados e advogadas denigrem a imagem do profissional advogado ao fazer da profissão um “bico” até a aprovação em algum concurso público qualquer, talvez até mesmo de nível médio. Como exigir respeitabilidade quando os próprios integrantes da classe não se dão ao respeito?
Praticar a advocacia, para mim, é motivo de orgulho. Enfrento dificuldades no trato com magistrados que se pensam superiores aos demais. Divirto-me e aprendo com o embate de idéias promovido com outros colegas em processos dos mais variados temas. Chateio-me ao ter que cobrar de um cliente os honorários previamente ajustados em contrato. Mas sobretudo orgulho-me de exercer a profissão que escolhi, e com ela obter meu sustento de forma honesta, árdua e edificante. Orgulho-me de fazer da minha profissão uma ferramente para a construção de uma sociedade melhor.
Mas, enfim, quem se importa? Dia onze passou e ninguém lembrou...
Permenace vívida em minha memória minha primeira aula na Faculdade de Direito da UFRGS quando o professor Manoel André da Rocha, da cadeira de Introdução à Ciência do Direito, discorreu sobre o dia onze agosto. Seu resgate histórico ensinou-me que a data correspondia ao dia de instalação das primeiras faculdades de Direito do Brasil, em São Paulo e Olinda. Dizia ele, pois, tratar-se de uma data prestigiada no mundo jurídico, sendo também uma data alusiva ao estudante de Direito. E também o Dia do Pindura, tão folclórico.
Todavia, mesmo em meio a uma campanha da OAB de resgate do orgulho do profissional advogado – a partir da qual se passou a celebrar o mês do advogado, e não apenas o dia – o profissional da advocacia continua esquecido e desconhecido da população. Evidente que todos sabem da profissão. Tanto sabem que somos protagonistas de excelentes piadas e anedotas. Mas somos muito mais. E por alguma razão, essa sabedoria se perdeu em meio à multidão.
O advogado é a tropa de choque da cidadania. Diariamente os periódicos inundam a vizinhança com notícias de desrespeito à coisa pública, aos direitos dos consumidores, a preceitos sagrados como a vida e integridade pessoal e patrimonial. Em meio a tantos abusos – sejam por pessoas sem consciência dos valores de vida em sociedade, seja pelo Estado ou Administração, que sufocam a população com medidas contrárias à lei – cabe ao advogado lutar por seu cliente. E mais. O advogado não batalha apenas por seu cliente, mas por toda a sociedade: a justiça de um é a justiça de todos. Ou assim deveria ser. Os valores contidos no exercício da advocacia são, pois, a defesa da população contra os abusos de toda a ordem.
Se cabe à advocacia defender a sociedade, quem protege o advogado? Ironicamente, vivemos uma crise institucional em todas as esferas da República justamente no momento de maior descaso com a profissão do advogado. Há um movimento silencioso para desmoralzar a classe. Clientes não mais respeitam seus patronos. Infelizmente, é cada vez mais comum ver clientes passarem calote e deixarem de pagar os honorários acordados. Buscam soluções mágicas às situações oriundas muitas vezes irresponsabilidade. E, mesmo quando o profissional da advocacia consegue solucionar o problema, são hostilizados por cobrarem – legitimamente, diga-se – por seu trabalho. Isso sem contar que a cada ato controverso, polêmico ou absurdo cometido por membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público, o que se houve em uníssono nas ruas é o já famoso bordão “Advogado é f*da”.
De outro lado, os demais operadores do Direito pouco prestam respeito à classe de advogados. Isso me faz lembrar de outra aula dos tempos de faculdade. Ao ser apresentado às primeiras noções da cadeira de Processo Civil, o professor Rui Portanova, destacado desembargador e a quem considero, além de mestre, amigo, desenhou no quadro um triângulo, e dizia em alto e bom som: “este é o tripé da Justiça”. O tal tripé era formado por magistrados, promotores de justiça e advogados. E ensinava o bom mestre que não existia diferenças ou hirarquia entre eles. Todos são indispensáveis à Justiça, cada qual com sua atribuição. Mais uma vez, infelizmente não é assim na prática. A cada dia milhares de colegas advogados são aviltados em suas prerrogativas profissionais, em diversas circusntâncias. Para piorar, há a sistemática supressão de honorários de sucumbência, mediante compensação ou mesmo através de fixação de verba honorária ao arrepio da lei, em valores ínfimos, em flagrante prejuízo do sustento do profissional advogado e sua família.
Mesmo com o desabafo da falta de reconhecimento – e sobretudo respeito – por parte da população em geral e dos demais operadores do Direito, o que mais machuca é ver a advocacia e a profissão ser molestada por outros advogados. Apesar de ser a excesão à regra, a falta de decoro e comprometimento ao juramento praticado por alguns pretensos profissionais mancham a reputação de todos. A proliferação de cursos jurídicos no país – que começaram apenas com aquelas duas faculdade, em 11 de agosto de 1827 – a grande maioria de baixíssima qualidade (se é que há alguma qualidade no ensino em faculdades caça-níqueis) faz com que a cada ano milhares – isso mesmo, milhares – de novos bacharéis em Direito tentem fazer da advocacia um passatempo. Nesse exato momento, centenas e centenas de “colegas” advogados e advogadas denigrem a imagem do profissional advogado ao fazer da profissão um “bico” até a aprovação em algum concurso público qualquer, talvez até mesmo de nível médio. Como exigir respeitabilidade quando os próprios integrantes da classe não se dão ao respeito?
Praticar a advocacia, para mim, é motivo de orgulho. Enfrento dificuldades no trato com magistrados que se pensam superiores aos demais. Divirto-me e aprendo com o embate de idéias promovido com outros colegas em processos dos mais variados temas. Chateio-me ao ter que cobrar de um cliente os honorários previamente ajustados em contrato. Mas sobretudo orgulho-me de exercer a profissão que escolhi, e com ela obter meu sustento de forma honesta, árdua e edificante. Orgulho-me de fazer da minha profissão uma ferramente para a construção de uma sociedade melhor.
Mas, enfim, quem se importa? Dia onze passou e ninguém lembrou...
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Heróis
Da mesma forma como todas as crianças – sobretudo meninos – eu tive os meus heróis na infância. Mas não seria exagero dizer que o maior deles, mais que Luke Skywalker e o Homem-Aranha, era meu avô Aldo. Meu avô foi um cara incrível e, mesmo hoje, seis anos após sua morte, ainda assim me sinto influenciado por ele.
Meu avô não era um super-herói, com super poderes. Aliás, não suporto super-heróis que tudo podem e que são só virtudes. Superhomem e Capitão América são insuportáveis. O vô Aldo, por sua vez, era apenas humano, e como tal possuía um caminhão de defeitos. Mas ao lutar e tentar superar esses defeitos ele me deu uma lição que levarei comigo para sempre.
Desde pequeno, o Vô chamava minha irmã menor e a mim de “a bailarina do vô” e “o campeão do vô”, respectivamente, e aquilo nos enchia de orgulho. Havia entre nós uma identificação e um amor que fazia a convivência com ele mágica.
Poucos sabem que além de médico meu avô foi político. Foi vereador em Carazinho. Até minha avó Artêmia, esposa do velho Aldo, foi vereadora, tendo sido eleita a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores de Carazinho. Ambos militavam no PTB. A vida política, todavia, foi abruptamente interrompida com o Golpe de 1964. Meu avô, que seria eleito deputado (nunca soube se era candidato a deputado estadual ou federal, mas no fim isso não fez diferença), teve os direitos políticos cassados e foi preso. Enquanto isso, em casa, minha avó, apavorada, cuidava das duas filhas pequenas, sem saber o que esperar do futuro da família.
Após ser solto da prisão – creio que meu avô, apesar de cumpadre do Brizola, não oferecia tantos riscos assim ao regime ditatorial dos militares – meu avô dedicou-se exclusivamente ao oficio da medicina. Abandonou sua paixão pela política pelo amor à família.
Getulista de carteirinha, o vô costumava tocar para minha mãe e minha tia, toda noite antes de irem dormir, um disco compacto com “A Carta Testamento” do “chefe” Getúlio. Era assim que ele se referia ao seu ídolo na política, “o Chefe”. Aliás, foi meu avô quem sempre me incentivou a tomar posição política quando, ainda criança, me levava até a Praça Central de Carazinho para depositar flores aos pés busto em bronze de Getúlio Vargas todo dia 24 de agosto. Este, aliás, era um ritual que ele realizava todos os anos, desde que minha mãe era criança.
A redemocratização do país aconteceu quando eu era ainda pequeno. Meu avô, mesmo aposentado da política, percebeu a oportunidade de fazer despertar naqueles ao seu redor uma consciência cidadã. E foi assim que ele me ensinou, antes mesmo de eu completar oito anos, sobre o trabalhismo de Vargas e Pasqualini e sobre a trajetória de seu bom e velho amigo e talvez mais notável expoente do trabalhismo, Leonel de Moura Brizola. O Tio Briza.
Eu nunca entendi direito como foi que se conheceram e como ficaram amigos. Tudo que sei é que meu vô Aldo e Brizola se conheciam desde os tempos de colégio e ficaram amigo ao longo dos anos. Ambos são de Carazinho e adentraram na política através do PTB. Quando do retorno de Brizola ao Brasil, após o exílio e às vesperas do fim do regime, era costume deles reunirem-se para um almoço ou janta, ou em Carazinho ou em Porto Alegre, a cada visita de Brizola ao Rio Grande do Sul. Era uma forma de cultuar a velha amizade. Mas eu sei que, no fundo, era um momento especial para meu avô reviver seu tempo na política, um tempo em que todas as suas ambições por um mundo melhor e mais decente pareciam pssíveis.
Foi nesse cenário que eu conheci a política. Na minha cabeça de criança era impossível dissociar a política da imagem do Tio Briza, como meu vô fazia eu chamar a Brizola. Lembro, até hoje, de um comício realizado em oitenta-e-alguma-coisa em Carazinho. Uma multidão se acotovelava para assistir aos intensos e envolventes discursos do Tio Briza. No palanque, líderes locais do já então PDT recebiam ao líder maior da sigla, Leonel Brizola. Abraçado ao líder trabalhista estava meu avô. E entre eles, eu, ainda criança.
Por mais que eu tente, acho jamais conseguirei me lembrar das palavras daquele discurso. Em compensação, as imagens impressas na minha mente, de mãos dadas com meu avô, a quem tanto amei, e com o Tio Briza, a quem aprendi a admirar, em frente a uma multidão que vibrava entusiaticamente apesar da manhã gelada de inverno, jamais se apagarão.
Evidente que sinto a falta dele. O vô faleceu um ano antes de Brizola, em 2003. Desde então o mundo ficou diferente. Talvez por desejar honrar a memória de meu avô, ou por um desejo de conhecer mais sobre um passado sobre o qual ele não costumava falar muito, comprei, em um impulso quando vi na livraria, a biografia de Brizola, “El Caudillo”, de F. C. Leite Filho.
O livro é leitura fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da história política de nosso país. A biografia trás, apesar do viés ideológico favorável às ações do líder trabalhista impresso pelo autor – o que muito me agradou, evidentemente – informações sonbre fatos políticos históricos esquecidos pelo povo brasileiro e mesmo gaúcho. A biografia é rica ao falar sobre a infância pobre de Brizola, mas é na análise dos grandes feitos realizados por Brizola na Prefeitura de Porto Alegre e nos Governos dos Estadados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro que a obra atinge seu ponto alto. É entusiasmante ler a tragetória do idealista que luta contra o ranço político estabelecido e, de forma espetacular, encampa e estatiza multinacionais de capital norte-americano (ou estadunidense, como prefere um amigo meu) ou então lança um plano de educação para a população sem igual até hoje em noso país. E, sobretudo, é impressionante os detalhes de bastidores da vida política com que o Autor reconta a Campanha da Legalidade, quando Brizola enfrentou e venceu o movimento golpista em 1961.
Da leitura do livro “El Caudillo” tive a certeza de que meu avô, Brizola e Paulo Freire estavam certos: somente a educação salvará nosso país. A biografia de Brizola transborda os pensamentos do grande líder trabalhista e demonstra a devoção com que ele seguiu seus ideais de transformar a vida de jovens a partir de uma assistência estatal que tinha por base a educação. Se formos analisar, seu legado político – e isso o livro demonstra a quem quiser ler – foi a luta para fazer da educação da população brasileira, sobretudo das classes mais baixas, uma prioridade.
Esse entendimetno, aliás, foi algo que meu avô me ensinou e da qual nunca duvidei. Afinal, ele fez questão de pagar os estudos meus e da miha irmã, para garantir, justamente, que pudessemos fazer a diferença em nosso país.
Recomendo a todos que leiam esta biografia do Brizola. E que ao lerem, lembrem-se de meu avô, que juntamente com o Tio Briza, para mim é um dos protagonistas do livro.
Meu avô não era um super-herói, com super poderes. Aliás, não suporto super-heróis que tudo podem e que são só virtudes. Superhomem e Capitão América são insuportáveis. O vô Aldo, por sua vez, era apenas humano, e como tal possuía um caminhão de defeitos. Mas ao lutar e tentar superar esses defeitos ele me deu uma lição que levarei comigo para sempre.
Desde pequeno, o Vô chamava minha irmã menor e a mim de “a bailarina do vô” e “o campeão do vô”, respectivamente, e aquilo nos enchia de orgulho. Havia entre nós uma identificação e um amor que fazia a convivência com ele mágica.
Poucos sabem que além de médico meu avô foi político. Foi vereador em Carazinho. Até minha avó Artêmia, esposa do velho Aldo, foi vereadora, tendo sido eleita a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores de Carazinho. Ambos militavam no PTB. A vida política, todavia, foi abruptamente interrompida com o Golpe de 1964. Meu avô, que seria eleito deputado (nunca soube se era candidato a deputado estadual ou federal, mas no fim isso não fez diferença), teve os direitos políticos cassados e foi preso. Enquanto isso, em casa, minha avó, apavorada, cuidava das duas filhas pequenas, sem saber o que esperar do futuro da família.
Após ser solto da prisão – creio que meu avô, apesar de cumpadre do Brizola, não oferecia tantos riscos assim ao regime ditatorial dos militares – meu avô dedicou-se exclusivamente ao oficio da medicina. Abandonou sua paixão pela política pelo amor à família.
Getulista de carteirinha, o vô costumava tocar para minha mãe e minha tia, toda noite antes de irem dormir, um disco compacto com “A Carta Testamento” do “chefe” Getúlio. Era assim que ele se referia ao seu ídolo na política, “o Chefe”. Aliás, foi meu avô quem sempre me incentivou a tomar posição política quando, ainda criança, me levava até a Praça Central de Carazinho para depositar flores aos pés busto em bronze de Getúlio Vargas todo dia 24 de agosto. Este, aliás, era um ritual que ele realizava todos os anos, desde que minha mãe era criança.
A redemocratização do país aconteceu quando eu era ainda pequeno. Meu avô, mesmo aposentado da política, percebeu a oportunidade de fazer despertar naqueles ao seu redor uma consciência cidadã. E foi assim que ele me ensinou, antes mesmo de eu completar oito anos, sobre o trabalhismo de Vargas e Pasqualini e sobre a trajetória de seu bom e velho amigo e talvez mais notável expoente do trabalhismo, Leonel de Moura Brizola. O Tio Briza.
Eu nunca entendi direito como foi que se conheceram e como ficaram amigos. Tudo que sei é que meu vô Aldo e Brizola se conheciam desde os tempos de colégio e ficaram amigo ao longo dos anos. Ambos são de Carazinho e adentraram na política através do PTB. Quando do retorno de Brizola ao Brasil, após o exílio e às vesperas do fim do regime, era costume deles reunirem-se para um almoço ou janta, ou em Carazinho ou em Porto Alegre, a cada visita de Brizola ao Rio Grande do Sul. Era uma forma de cultuar a velha amizade. Mas eu sei que, no fundo, era um momento especial para meu avô reviver seu tempo na política, um tempo em que todas as suas ambições por um mundo melhor e mais decente pareciam pssíveis.
Foi nesse cenário que eu conheci a política. Na minha cabeça de criança era impossível dissociar a política da imagem do Tio Briza, como meu vô fazia eu chamar a Brizola. Lembro, até hoje, de um comício realizado em oitenta-e-alguma-coisa em Carazinho. Uma multidão se acotovelava para assistir aos intensos e envolventes discursos do Tio Briza. No palanque, líderes locais do já então PDT recebiam ao líder maior da sigla, Leonel Brizola. Abraçado ao líder trabalhista estava meu avô. E entre eles, eu, ainda criança.
Por mais que eu tente, acho jamais conseguirei me lembrar das palavras daquele discurso. Em compensação, as imagens impressas na minha mente, de mãos dadas com meu avô, a quem tanto amei, e com o Tio Briza, a quem aprendi a admirar, em frente a uma multidão que vibrava entusiaticamente apesar da manhã gelada de inverno, jamais se apagarão.
Evidente que sinto a falta dele. O vô faleceu um ano antes de Brizola, em 2003. Desde então o mundo ficou diferente. Talvez por desejar honrar a memória de meu avô, ou por um desejo de conhecer mais sobre um passado sobre o qual ele não costumava falar muito, comprei, em um impulso quando vi na livraria, a biografia de Brizola, “El Caudillo”, de F. C. Leite Filho.
O livro é leitura fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da história política de nosso país. A biografia trás, apesar do viés ideológico favorável às ações do líder trabalhista impresso pelo autor – o que muito me agradou, evidentemente – informações sonbre fatos políticos históricos esquecidos pelo povo brasileiro e mesmo gaúcho. A biografia é rica ao falar sobre a infância pobre de Brizola, mas é na análise dos grandes feitos realizados por Brizola na Prefeitura de Porto Alegre e nos Governos dos Estadados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro que a obra atinge seu ponto alto. É entusiasmante ler a tragetória do idealista que luta contra o ranço político estabelecido e, de forma espetacular, encampa e estatiza multinacionais de capital norte-americano (ou estadunidense, como prefere um amigo meu) ou então lança um plano de educação para a população sem igual até hoje em noso país. E, sobretudo, é impressionante os detalhes de bastidores da vida política com que o Autor reconta a Campanha da Legalidade, quando Brizola enfrentou e venceu o movimento golpista em 1961.
Da leitura do livro “El Caudillo” tive a certeza de que meu avô, Brizola e Paulo Freire estavam certos: somente a educação salvará nosso país. A biografia de Brizola transborda os pensamentos do grande líder trabalhista e demonstra a devoção com que ele seguiu seus ideais de transformar a vida de jovens a partir de uma assistência estatal que tinha por base a educação. Se formos analisar, seu legado político – e isso o livro demonstra a quem quiser ler – foi a luta para fazer da educação da população brasileira, sobretudo das classes mais baixas, uma prioridade.
Esse entendimetno, aliás, foi algo que meu avô me ensinou e da qual nunca duvidei. Afinal, ele fez questão de pagar os estudos meus e da miha irmã, para garantir, justamente, que pudessemos fazer a diferença em nosso país.
Recomendo a todos que leiam esta biografia do Brizola. E que ao lerem, lembrem-se de meu avô, que juntamente com o Tio Briza, para mim é um dos protagonistas do livro.
domingo, 9 de agosto de 2009
Quem entender ganha um doce
Após anos de relacionamento com Natália, Adílson afirmava de forma categórica: não existe nada no mundo mais complicado que cabeça de mulher. Homem algum é capaz de entender o que se passa na mente de uma mulher. Nem mesmo outra mulher é capaz de entender sua semelhante. São eternas insatisfeitas, mas por quê?
Apesar de felizes em seu casamento, não raras eram as vezes em que se desentendiam a respeito de coisas banais, triviais. O raciocínio lógico e cartesiano de Adílson parecia afrontar a emotividade com que sua companheira pensava. Natália costumava reclamar que os homens – e por serem todos iguais, também Adílson – reclamam demais da forma de pensar das mulheres. Adílson bem que tentou entendê-la. Mas é impossível a qualquer homem compreender a confusão que são os pensamentos femininos. Simplesmente resignou-se. Amava, como ainda ama, sua esposa, bonita e inteligente. Mas entendê-la é impossível.
É inerente à condição masculina, em certo ponto da vida, levar puteada da esposa ou namorada sem saber o motivo. Simplesmente acontece. É como masturbação ou filme do Charles Bronson: faz parte da vida do homem. Certa vez, quando ainda eram namorados, na saída do cinema após assistir a mais uma comédia romântica igual a todas as outras, Adilson foi surpreendido com a pergunta: costumava falar dela, sobre a intimidade de casal, com seus amigos? Pensou por um momento e respondeu honestamente, com a consciência leve: “não”. Afinal, quando homens se reúnem, querem beber cerveja, falar baixaria, bobagens e sobre outras mulheres hipotéticas. Adilson, confiante na sua resposta e na insignificânsia da pergunta podia jurar que a conversa ficaria por isso mesmo. Ledo engano. Seguiu-se um longo suspiro e aquela frase quase inaudível: “tu tens vergonha de mim?”. Era “a” definição de chantagem emocional. A expressão de insatisfação na face de Natália dizia tudo. A noite terminara, e Adilson foi dormir sozinho em sua cama.
Aliás, quando solteiro, Adilson jamais soube valorizar o seu sono. O simples fato de ter uma cama só sua, com os lençóis e cobertas apenas para si era algo que merecia reconhecimento. Afinal, o homem depois de casado nunca mais terá onde dormir. A cama é da mulher. As cobertas, também. Tudo o que tem é o seu travesseiro. Morando junto com Natália a alguns anos, Adílson pode perceber, em um momento de inspiração divina, que na condição de homem casado tão somente conquistara o direito de dormir com sua mulher. Ela é quem permitia que ele dormisse na sua cama. E pouco importa que tenha sido ele quem comprou a cama com seu próprio dinheiro, com o colchão do jeito que gostava. Na cabeça de Natália, ela é quem manda na cama – e não, não se trata de sexo!
Recentemente, reunido com seus amigos no bar de sempre, Adílson percebeu que não conseguia saborear sua cerveja ou mesmo falar as besteiras comuns àquele momento sagrado de confraternização masculina. Até mesmo seus amigos, já bêbados e com a atenção fixa na nova garçonete que fazia treinamento no bar, perceberam que algo estava errado com Adílson.
Ao chegar em casa, foi até o quarto de casal onde, na cama, Natália lhe esperava assistindo à novela na televisão. Como quem quisesse compartilhar uma grande descoberta, ainda ébrio da cerveja consumida no bar, Adilson tomou a iniciativa da conversa:
“Lembra que eu reclamei que estava dormindo mal nas últimas noites? Que eu me queixava que sempre ficava sem cobertas durante a noite e por isso passava frio e acordava no meio da madrugada? Pois eu comentei com a turma do bar que tu costuma roubar as cobertas durante a noite e descobri: todas as mulheres roubam as cobertas quando dormem. É algo da natureza feminina. Não dá pra lutar contra. As namoradas deles fazem o mesmo. Viu? Agora sei que não adianta mais eu reclamar!”
“Como é que é?” O rosto de Natália franziu-se ao ponto de causar medo em Adílson. “Tu estavas falando sobre mim e nossa intimidade com aqueles teus amigos?” A voz imprimida era de profunda repreensão.
Mesmo sem entender direito, naquela noite Adilson dormiu no sofá.
Apesar de felizes em seu casamento, não raras eram as vezes em que se desentendiam a respeito de coisas banais, triviais. O raciocínio lógico e cartesiano de Adílson parecia afrontar a emotividade com que sua companheira pensava. Natália costumava reclamar que os homens – e por serem todos iguais, também Adílson – reclamam demais da forma de pensar das mulheres. Adílson bem que tentou entendê-la. Mas é impossível a qualquer homem compreender a confusão que são os pensamentos femininos. Simplesmente resignou-se. Amava, como ainda ama, sua esposa, bonita e inteligente. Mas entendê-la é impossível.
É inerente à condição masculina, em certo ponto da vida, levar puteada da esposa ou namorada sem saber o motivo. Simplesmente acontece. É como masturbação ou filme do Charles Bronson: faz parte da vida do homem. Certa vez, quando ainda eram namorados, na saída do cinema após assistir a mais uma comédia romântica igual a todas as outras, Adilson foi surpreendido com a pergunta: costumava falar dela, sobre a intimidade de casal, com seus amigos? Pensou por um momento e respondeu honestamente, com a consciência leve: “não”. Afinal, quando homens se reúnem, querem beber cerveja, falar baixaria, bobagens e sobre outras mulheres hipotéticas. Adilson, confiante na sua resposta e na insignificânsia da pergunta podia jurar que a conversa ficaria por isso mesmo. Ledo engano. Seguiu-se um longo suspiro e aquela frase quase inaudível: “tu tens vergonha de mim?”. Era “a” definição de chantagem emocional. A expressão de insatisfação na face de Natália dizia tudo. A noite terminara, e Adilson foi dormir sozinho em sua cama.
Aliás, quando solteiro, Adilson jamais soube valorizar o seu sono. O simples fato de ter uma cama só sua, com os lençóis e cobertas apenas para si era algo que merecia reconhecimento. Afinal, o homem depois de casado nunca mais terá onde dormir. A cama é da mulher. As cobertas, também. Tudo o que tem é o seu travesseiro. Morando junto com Natália a alguns anos, Adílson pode perceber, em um momento de inspiração divina, que na condição de homem casado tão somente conquistara o direito de dormir com sua mulher. Ela é quem permitia que ele dormisse na sua cama. E pouco importa que tenha sido ele quem comprou a cama com seu próprio dinheiro, com o colchão do jeito que gostava. Na cabeça de Natália, ela é quem manda na cama – e não, não se trata de sexo!
Recentemente, reunido com seus amigos no bar de sempre, Adílson percebeu que não conseguia saborear sua cerveja ou mesmo falar as besteiras comuns àquele momento sagrado de confraternização masculina. Até mesmo seus amigos, já bêbados e com a atenção fixa na nova garçonete que fazia treinamento no bar, perceberam que algo estava errado com Adílson.
Ao chegar em casa, foi até o quarto de casal onde, na cama, Natália lhe esperava assistindo à novela na televisão. Como quem quisesse compartilhar uma grande descoberta, ainda ébrio da cerveja consumida no bar, Adilson tomou a iniciativa da conversa:
“Lembra que eu reclamei que estava dormindo mal nas últimas noites? Que eu me queixava que sempre ficava sem cobertas durante a noite e por isso passava frio e acordava no meio da madrugada? Pois eu comentei com a turma do bar que tu costuma roubar as cobertas durante a noite e descobri: todas as mulheres roubam as cobertas quando dormem. É algo da natureza feminina. Não dá pra lutar contra. As namoradas deles fazem o mesmo. Viu? Agora sei que não adianta mais eu reclamar!”
“Como é que é?” O rosto de Natália franziu-se ao ponto de causar medo em Adílson. “Tu estavas falando sobre mim e nossa intimidade com aqueles teus amigos?” A voz imprimida era de profunda repreensão.
Mesmo sem entender direito, naquela noite Adilson dormiu no sofá.
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