Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Heróis

Da mesma forma como todas as crianças – sobretudo meninos – eu tive os meus heróis na infância. Mas não seria exagero dizer que o maior deles, mais que Luke Skywalker e o Homem-Aranha, era meu avô Aldo. Meu avô foi um cara incrível e, mesmo hoje, seis anos após sua morte, ainda assim me sinto influenciado por ele.
Meu avô não era um super-herói, com super poderes. Aliás, não suporto super-heróis que tudo podem e que são só virtudes. Superhomem e Capitão América são insuportáveis. O vô Aldo, por sua vez, era apenas humano, e como tal possuía um caminhão de defeitos. Mas ao lutar e tentar superar esses defeitos ele me deu uma lição que levarei comigo para sempre.
Desde pequeno, o Vô chamava minha irmã menor e a mim de “a bailarina do vô” e “o campeão do vô”, respectivamente, e aquilo nos enchia de orgulho. Havia entre nós uma identificação e um amor que fazia a convivência com ele mágica.
Poucos sabem que além de médico meu avô foi político. Foi vereador em Carazinho. Até minha avó Artêmia, esposa do velho Aldo, foi vereadora, tendo sido eleita a primeira mulher a presidir a Câmara de Vereadores de Carazinho. Ambos militavam no PTB. A vida política, todavia, foi abruptamente interrompida com o Golpe de 1964. Meu avô, que seria eleito deputado (nunca soube se era candidato a deputado estadual ou federal, mas no fim isso não fez diferença), teve os direitos políticos cassados e foi preso. Enquanto isso, em casa, minha avó, apavorada, cuidava das duas filhas pequenas, sem saber o que esperar do futuro da família.
Após ser solto da prisão – creio que meu avô, apesar de cumpadre do Brizola, não oferecia tantos riscos assim ao regime ditatorial dos militares – meu avô dedicou-se exclusivamente ao oficio da medicina. Abandonou sua paixão pela política pelo amor à família.
Getulista de carteirinha, o vô costumava tocar para minha mãe e minha tia, toda noite antes de irem dormir, um disco compacto com “A Carta Testamento” do “chefe” Getúlio. Era assim que ele se referia ao seu ídolo na política, “o Chefe”. Aliás, foi meu avô quem sempre me incentivou a tomar posição política quando, ainda criança, me levava até a Praça Central de Carazinho para depositar flores aos pés busto em bronze de Getúlio Vargas todo dia 24 de agosto. Este, aliás, era um ritual que ele realizava todos os anos, desde que minha mãe era criança.
A redemocratização do país aconteceu quando eu era ainda pequeno. Meu avô, mesmo aposentado da política, percebeu a oportunidade de fazer despertar naqueles ao seu redor uma consciência cidadã. E foi assim que ele me ensinou, antes mesmo de eu completar oito anos, sobre o trabalhismo de Vargas e Pasqualini e sobre a trajetória de seu bom e velho amigo e talvez mais notável expoente do trabalhismo, Leonel de Moura Brizola. O Tio Briza.
Eu nunca entendi direito como foi que se conheceram e como ficaram amigos. Tudo que sei é que meu vô Aldo e Brizola se conheciam desde os tempos de colégio e ficaram amigo ao longo dos anos. Ambos são de Carazinho e adentraram na política através do PTB. Quando do retorno de Brizola ao Brasil, após o exílio e às vesperas do fim do regime, era costume deles reunirem-se para um almoço ou janta, ou em Carazinho ou em Porto Alegre, a cada visita de Brizola ao Rio Grande do Sul. Era uma forma de cultuar a velha amizade. Mas eu sei que, no fundo, era um momento especial para meu avô reviver seu tempo na política, um tempo em que todas as suas ambições por um mundo melhor e mais decente pareciam pssíveis.
Foi nesse cenário que eu conheci a política. Na minha cabeça de criança era impossível dissociar a política da imagem do Tio Briza, como meu vô fazia eu chamar a Brizola. Lembro, até hoje, de um comício realizado em oitenta-e-alguma-coisa em Carazinho. Uma multidão se acotovelava para assistir aos intensos e envolventes discursos do Tio Briza. No palanque, líderes locais do já então PDT recebiam ao líder maior da sigla, Leonel Brizola. Abraçado ao líder trabalhista estava meu avô. E entre eles, eu, ainda criança.
Por mais que eu tente, acho jamais conseguirei me lembrar das palavras daquele discurso. Em compensação, as imagens impressas na minha mente, de mãos dadas com meu avô, a quem tanto amei, e com o Tio Briza, a quem aprendi a admirar, em frente a uma multidão que vibrava entusiaticamente apesar da manhã gelada de inverno, jamais se apagarão.
Evidente que sinto a falta dele. O vô faleceu um ano antes de Brizola, em 2003. Desde então o mundo ficou diferente. Talvez por desejar honrar a memória de meu avô, ou por um desejo de conhecer mais sobre um passado sobre o qual ele não costumava falar muito, comprei, em um impulso quando vi na livraria, a biografia de Brizola, “El Caudillo”, de F. C. Leite Filho.
O livro é leitura fundamental para quem deseja conhecer um pouco mais da história política de nosso país. A biografia trás, apesar do viés ideológico favorável às ações do líder trabalhista impresso pelo autor – o que muito me agradou, evidentemente – informações sonbre fatos políticos históricos esquecidos pelo povo brasileiro e mesmo gaúcho. A biografia é rica ao falar sobre a infância pobre de Brizola, mas é na análise dos grandes feitos realizados por Brizola na Prefeitura de Porto Alegre e nos Governos dos Estadados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro que a obra atinge seu ponto alto. É entusiasmante ler a tragetória do idealista que luta contra o ranço político estabelecido e, de forma espetacular, encampa e estatiza multinacionais de capital norte-americano (ou estadunidense, como prefere um amigo meu) ou então lança um plano de educação para a população sem igual até hoje em noso país. E, sobretudo, é impressionante os detalhes de bastidores da vida política com que o Autor reconta a Campanha da Legalidade, quando Brizola enfrentou e venceu o movimento golpista em 1961.
Da leitura do livro “El Caudillo” tive a certeza de que meu avô, Brizola e Paulo Freire estavam certos: somente a educação salvará nosso país. A biografia de Brizola transborda os pensamentos do grande líder trabalhista e demonstra a devoção com que ele seguiu seus ideais de transformar a vida de jovens a partir de uma assistência estatal que tinha por base a educação. Se formos analisar, seu legado político – e isso o livro demonstra a quem quiser ler – foi a luta para fazer da educação da população brasileira, sobretudo das classes mais baixas, uma prioridade.
Esse entendimetno, aliás, foi algo que meu avô me ensinou e da qual nunca duvidei. Afinal, ele fez questão de pagar os estudos meus e da miha irmã, para garantir, justamente, que pudessemos fazer a diferença em nosso país.
Recomendo a todos que leiam esta biografia do Brizola. E que ao lerem, lembrem-se de meu avô, que juntamente com o Tio Briza, para mim é um dos protagonistas do livro.

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