O calor fustigante, persistente, subitamente deu lugar a uma tormenta de verão. Nada incomum, aliás. Mesmo nos dias atuais, Aline impressionava-se com a força dos temporais que se abatiam sobre o Rio Grande do Sul após dias de extremo calor.
Desde a independência, missões de sabotagem de comícios politicos contra a ordem militar consumiam suas energias. Aline chegara de sua última missão e foi direto para casa. No apartamento de Aline Straussmann, situado no Quarteirão Militar, no Nivel Superior do bairro Higienópolis, as janelas, todas elas revestidas com película de proteção balística, estavam fechadas para manter do lado de fora a chuva, tóxica devido à poluição. Chegou ensopada. Tinha apenas alguns minutos antes que que sua pele passasse a absorver as toxinas cancerígenas. Apesar do alívio no calor, a chuva era tão ou mais perigosa quanto o sol.
Após um banho revigorante, ainda nua, jogou-se na cama para um merecido descanso. Os lençóis de linho ofereciam uma sutileza peculiar no ambiente frio e estéril do apartamento de Aline. Seu corpo de pele macia e de curvas provocantes apresentava marcas típicas a todos os militares de participação ativa na guerra. Mesmo ela, uma oficial das sombras, possuía “medalhas”, incapazes, contudo, de tirar-lhe a beleza e a sensualidade.
Exausta, caiu no sono sem perceber. Em questão de apenas instantes, mergulhou em sono profundo e sonhou. Se estivesse consciente, Aline acharia extremamente gratificante dormir sem a ajuda dos comprimidos sintéticos que a ajudaram a dormir nos últimos anos.
O sonho foi confuso e agitado. Em meio a um tiroteio, com soldados caindo mortos nos dois lados da escaramuça, um homem nu e fortemente armado é alvejado por munição perfurante, que lhe atravessam o corpo como papel. Ao chegar perto do corpo ensanguentado, ele de súbito volta do mortos e a possui ali mesmo, no campo de batalha, em frente a todos. Quanto mais excitada fica, mais violento o ato sexual.
Então, entre gemidos e ensopada de suor, Aline é acordada pelo tocar de um vídeo-comunicador.
Ainda desorientada pelo sono – e pelo sonho – ela sai atrás do som artificial. O toque selecionado não era seu tradicional. Somente então percebeu. Pulou da cama como uma gata. O videofone que tocava não era o seu.
A adrenalina liberada em sua corrente sanguinea a acordou de imediato. Alguém estivera em seu apartamento durante sua ausência. “Como?”, ponderou. A segurança de seu apartamento envolvia a mais moderna tecnologia disponível no continente. Somente militares possuiam acesso ao Quarteirão Militar. Perguntas formavam-se em profusão em sua mente. Não importa. Resolveu atender.
- Quem és? – perguntou Aline no instante em que a imagem de um homem de cabelos e barba branca, com manchas vermelhas pela pele, aparceu na tela de cinco polegadas do aparelho.
- Você deve ser Aline – o sotaque era do oeste paranaense. – Agora entendo porque Getúlio fica perturbado quando fala de você.
Somente naquele momento Aline deu-se conta que ainda estava nua. Disfarçou o rubor da face e, com a firmeza na voz e no olhar que lhe era típica, continou a conversa. Em seu íntimo, porém, brotava uma satisfação pelo comentário sobre Getúlio.
- Reponda a pergunta. E como entrou em meu apartamento? Assim que eu rastrear a ligação, irei pessoalmente...
- Guarde suas energias, minha querida. – Aline percebeu que o tom daquele homem de pele alva e machucada não era hostil. – Encontre-me nas coordenadas que seguem com a ligação em trinta minutos.
- E por que eu faria isso?
- Porque sem sua ajuda Getúlio estará morto em algumas horas.
***********************
Nenhum comentário:
Postar um comentário