Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

S.O.S.

S.O.S.

Era tudo o que a mensagem recebida por Fabricio em seu celular dizia.

S.O.S.

Fabricio recém deitara quando o seu celular, esquecido no criado mudo, vibrou subitamente, iluminando o teto do quarto com sua luz pálida. Uma mensagem durante a madrugada costuma causar preocupações, mas aquela fez com que Fabricio perdesse o sono.

Acordado, foi até a cozinha de seu pequeno apartamento JK. Precisava refletir aquela mensagem. Abriu sua geladeira General Eletric velha de cor azul – herança de uma tia avó – e pegou uma lata de cerveja. Praguejou contra a geladeira, incapaz de gelar a cerveja.

Sentou-se à mesa da cozinha em um banco de madeira, desconfortável para um homem de um metro e noventa e cinco como ele, e serviu a cerveja – ele jurava que estava morna – em uma xícara suja esquecida ali desde o café da manhã.

S.O.S.


Aquela mensagem realmente lhe perturbara. Sentado e com sua cerveja, conferiu o número do celular que lhe enviara o torpedo. Ele conhecia aquele número, mas não podia acreditar no que lia. A mensagem fora enviada por um velho amigo de colégio. João Onofre. Havia meses não se falavam. Quando jovens, faziam parte da mesma turma. Jogavam no mesmo time de futebol. Junto com o Renato, falecido em um acidente de trânsito, eram melhores amigos. Hoje, porém, não sabia mais dizer.

Fabrício não pode deixar de rir. A mente vagava livre pelo passado na medida em que abria a terceira lata de cerveja (aquela ordinária, a mais barata do supermercado). Foi ele quem começou com os torpedos de S.O.S. quando estavam na faculdade. Fabrício e Renato seguiram colegas no curso de Assessoria Contábil em uma universidade caça-níquel. João, o mais inteligente da turma, cursou jornalismo e economia na melhor faculdade do estado. Seguidamente enviava o tal de S.O.S. para pedir ajuda a João. Era uma forma de reatar a antiga amizade em momentos de perigo.

A primeira vez foi era motivo de risadas até hoje. João precisou sair de casa às cinco da manhã para pagar a conta de Fabrício em uma casa de espetáculos. Quando João chegou, o cafetão já havia duplicado a conta inicial, e somente após muita conversa é que Fabrício foi liberado pelos seguranças a deixar o estabelecimento. Fabricio explicava que era impossível dizer não a duas ninfetas e uma anã que, segundo elas "topavam tudo por dinheiro".

Ao abrir mais uma cerveja, a fatia de pizza de calabresa com azeitonas fria em cima do fogão pareceu extremamente apetitosa. Aquela nostalgia definitivamente lhe abriu o apetite.

A barriga cheia permitiu que Fabricio ficasse mais desperto. E isso o fez lembrar de outra ocasião. Outro S.O.S. enviado para João. Com o distanciamento da vida adulta, Fabricio e Renato viam João cada vez menos. João conseguiu um emprego de radialista e, em pouco tempo, virou sucesso de audiência. Famoso, com um excelente salário, noivo de uma atriz de novelas de dar água na boca, era o orgulho dos amigos que ralavam em empregos mal remunerados que os forçavam a dividir um minúsculo apartamento.

Naquela noite, Fabricio e Renato voltavam de uma cervejada na zona sul quando, na volta para casa, Renato perdeu o conrole do Del Rey - outra herança da mesma tia-avó – de Fabricio, que dormia no banco do carona. O carro chocou-se contra o muro de uma casa e capotou. Renato morreu na hora. Fabricio, de dentro do veiculo, somente teve forças de enviar aquele S.O.S. para João. João chegou ao local ainda em tempo de acompanha-lo na ambulância até o hospital.

Depois do acidente, viram-se apenas meia dúzia de vezes. Uma delas, inclusive, por acaso, no shopping center. Fabricio não pode deixar de sentir um pouco de inveja. Que Deus o perdoasse, pensou, sentia orgulho de seu amigo de juventude. Mas ver João vestindo o melhor terno, dirigindo o melhor carro e transando com a melhor mulher lhe fez ter vergonha de morar naquele apartamento com sério problema de baratas, Levantou-se e pegou a última lata de cerveja.

Somente então teve coragem de fazer o que sempre soube ser seu dever de amigo. Pegou o telefone e ligou para João. Para o amigo que sempre viera ao seu socorro. Era hora de devolver os favores. Ligou a cobrar.

João atendeu com uma voz aflita. Fabricio, tomando o controle da situação, foi enfático:

- Onde tu estás?

Anotou o endereço no guardanapo e saiu às pressas. Dirigindo seu Uno Mille - o Del Rey teve perda total no acidente - Fabricio chegou no local combinado em menos de quinze minutos – a cerveja e as ruas vazias contribuiram para rapidez.

Em frente a uma excelente casa de dois andares, em um dos bairros mais nobres da cidade, Fabricio encontrou João Onofre. Descabelado, vestindo uma calça jeans surrada e uma antiga camiseta do time de futebol do colégio, João sorriu ao ver o amigo. Mesmo assim Fabricio percebeu uma profunda aflição nos olhos de João. A mesma aflição dos tempos de juventude, quando João o procurava para desabafar e exorcisar sua infelicidade.

- Casarão, ein? Tá morando sozinho nisso tudo? – a voz de Fabricio tentava passar a mesma intimidade que tinham aos quinze anos.

- Não. Moro com minha noiva. Tu conheceste ela. Aliás, minha esposa agora. Estou casado.

Fabricio não pode evitar a cara feia. Como pode João não convidá-lo para o próprio casamento? Sabia que haviam perdido o contato, mas ainda eram amigos. Ao menos era isso que Fabricio pensava. Engoliu em seco, ainda sentindo o orgulho ferido e foi direto ao ponto.

- E aí? Qual a emergência?

- Exatamente isso. Estou casado.

S.O.S.

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