O Direito brasileiro em nada se parece com os filme de tribunais produzidos em Hollywood. Muito pelo contrário. Já vai tempo que as salas de audiência perderam sua pompa e magnitude. A Justiça do Trabalho, por exemplo, por seu caráter popular e de abrigo ao cidadão humilde e simples, produz acontecimentos além da imaginação.
Certa feita, quando ainda era acadêmico, fui cedo para o prédio da Justiça do Trabalho para observar audiências – requisito para uma cadeira da faculdade. Com a devida permissão do Juiz, um homem ainda novo vestindo camisa e gravata, sem o paletó, que em nada correspondia à idéia de um velho de cabelos brancos e de capa preta, sentei-me em uma cadeira colocada contra a parede, embaixo da única janela da sala. É difícil descrever o que senti quando, pela primeira vez, me deparei com aquele ambiente onde o Direito ganhava vida. Dentro de instantes eu veria advogados, juiz e partes atuarem em seus papéis, tirando as leis do rigidez do papel e colocando-as na maleabilidade do mundo real. Definitivamente, eu estava intimidado. O Juiz e sua secretária, ao notarem meu nervosismo, trataram de dar logo início à pauta do dia. “Após a primeira”, disse-me o doutor magistrado, “as audiências desmitificam-se”.
Soou o aviso. Pelos autofalantes do fórum foram as partes chamadas para a primeira audiência inicial do dia. Rito ordinário. Coisa simples, disseram-me colegas mais velhos. Abriu-se a porta da sala. Eu podia sentir o frio do saguão entrar pela porta e, pior, sentia o frio na barriga, mas mantive-me em posição para anotar tudo que acontecesse durante aquela minha primeira audiência.
Um senhor, de pele queimada no sol, entrou. Tinha olhos cansados e seu cabelo, recuados muito além da linha da testa devido à calvice, caiam cumpridos e oleosos na altura dos ombros. Usava um paletó de lã cinza puída e com cotoveleiras de com cotoveleiras de couro. Sua camisa, de flanale, possuia um tramado xadrez colorido. Em seu colarinho não era possível usar nenhuma gravata. Os mocassins estavam gastos, mas definitivamente o que mais chamava a atenção era a calça de veludo vermelho. Não se tratava apenas de uma calça de veludo vermelho, mas de uma calça boca-de-sino de veludo vermelho. Provavelmente doação de alguma Campanha do Agasalho. Observei aquele senhor e vi como, na maioria das vezes, são humildes – eufemismo para pobres – os reclamantes.
E foi então, para minha surpresA, que vi entrar um rapaz vestindo restos de roupas. Aquilo não podiam ser consideradas roupas. Eram trapos. Farrapos. O pobre rapaz parecia um mendigo assustado. E então entendi: este era o reclamante. O senhor que entrara antes era seu advogado. Advogado do mendigo.
Entrou a reclamada, representada por sua preposta, uma moça pouco mais velha que eu, mas com uma postura confiante que denotava experiência e seu advogado – este formalmente trajado de terno e gravata.
Iniaciada a audiência e apregoadas as partes, tomou o Juiz a palavra:
- Senhores, alguma chance de acordo?
- Sim excelência. – Quem respondeu foi o procurador da reclamada, enquanto abria uma pasta de cartolina para consultar os dados da reclamatória.
- Mas não me venha com mesquinharia!
A voz, em gritos, não possuia qualquer sutileza ou adequaçãoa a uma sala de audiências. O Advogado do Mendigo bradava em voz alta e mechia seus braço em todas as direções. Todos na sala, com excessão de seu cliente, estavam de olhos arregalados. E prosseguiu:
- Não adianta vir com propostinha de acordo que não vamos aceitar mixaria. Esmola não. O meu cliente está bem consciente de seus direitos, então, se quiser acordo, é bom fazer uma oferta decente.
Calou-se e cruzou os braços em posição triunfal. Ninguém podia acreditar naquele pequeno espetáculo tão cedo da manhã. Eu decerto nunca me prepara para aquela cena. O Juiz, incrédulo, estava com a boca aberta, sem conseguir falar de puro espanto.
- Ahm – gaguejou o procurador da reclamada, com evidente constrangimento em sua voz – eu tenho autorização a fazer uma proposta de trezentos reais, em cinco parcelas de sessenta...
Antes de qualquer intervenção do Juiz ou das partes, o advogado do reclamante pulou da cadeira, derrubando-a no chão e dando um tapa na mesa, já gritando enquanto se levantava:
- FECHADO!
E, em pé, estendeu o braço para selar o acordo com um aperto de mãos.
O Juiz, ainda atônito, narrava a sua secretária os termos do acordo para inclusão na ata da audiência. Foi interrompido pelo causídico.
- Doutor, o senhor por favor cosigne em ata o pagamento direto dos meus honorários, por favor.
- Não seria mais pertinente o senhor resolver o acerto de honorários diretamente com seu cliente? – perguntou o Juiz inocentemente.
- Ah, sabe como é né doutor. Depois na hora de cobrar é só balão no advogado. Num mês é o leitinho da criança, no outro é a conta da marcearia... Não. Pode consignar, por favor, meus honorários.
O Juiz, já recomposto, encerrou a audiência e, ao final, dirigiu-se a mim, ainda escandalizado com o que vi:
- Não disse? Após a primeira, as audiências desmitificam-se.
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Hehe, mto bom! Incrível.
ResponderExcluirValeu.
ResponderExcluirÉ incrível, mas é quase verdade!
licença poética à parte, quem conhece a HIstória poderia dizer que tu foi corporativista ao deixar de narrar, na íntegra, a participação do adeva do mendigo.
ResponderExcluirmas acordo de 300, em 5x de 60 é muita sacanagem.. hahahaha
Peraí... eu sempre entendi errado o nome da HIstória? Pra mim sempre foi a HIstória do ADVOGADO MENDIGO!!! E não do Advogado DO Mendigo...
ResponderExcluirBah, Tutu, sem querer acabar com tuas ilusões, mas história sempre foi do Advogado DO Mendigo. Muito provavelmente foi culpa da cacofonia da mesa de bar...
ResponderExcluirNã...
ResponderExcluir"Um senhor, de pele queimada no sol, entrou. Tinha olhos cansados e seu cabelo, recuados muito além da linha da testa devido à calvice, caiam cumpridos e oleosos na altura dos ombros. Usava um paletó de lã cinza puída e com cotoveleiras de com cotoveleiras de couro. Sua camisa, de flanale, possuia um tramado xadrez colorido. Em seu colarinho não era possível usar nenhuma gravata. Os mocassins estavam gastos, mas definitivamente o que mais chamava a atenção era a calça de veludo vermelho. Não se tratava apenas de uma calça de veludo vermelho, mas de uma calça boca-de-sino de veludo vermelho. Provavelmente doação de alguma Campanha do Agasalho. Observei aquele senhor e vi como, na maioria das vezes, são humildes – eufemismo para pobres – os reclamantes." (SIC)
TODA a descrição refere um ADVOGADO MENDIGO!!!
E TEM MAIS!!! Foi completamente esquecido pelo autor que o ADVOGADO MENDIGO (que Deus o tenha) calçava um TOPPER DE SALÃO daqueles de couro pretos e com a biqueira em borracha branca!!!
ResponderExcluirCom todo o respeito a história começa errada já pelo nome. Sempre foi ADVOGADO-MENDIGO. Essa aí é outra história que tu inventou com base na verdadeira história do adeva-mendigo.
ResponderExcluirBuenas, a história é uma ficção. A própria veracidade dos fatos, após tanto tempo, está comprometida pelas cervejas que tomamos...
ResponderExcluirMas ainda assim, este relato está longe de ser o definitivo... :)
Definitivamente a história original era do "advogado mendigo".
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