Gosto de cerveja. Sempre gostei. Não apenas eu, mas meus amigos também. Nós, da turma da praia, somos entusiastas. Apreciamos a boa cerveja a ponto de nos recusarmos a beber qualquer cerveja barata nacional que os butecos tentam nos empurrar. Exceto, claro, nas noites quentes de verão, quando saímos nos bares da praia. Parece até pegadinha: justamente na época de maior consumo, os bares oferecem menor variedade. Aliás, nenhuma variedade. É aquela ceva e deu!
Enfim, como disse, somos todos amantes de uma boa cerveja. Eu prefiro ales. Cenoura e Rafão adoram cerveja weiss (trigo, em alemão, pra quem não saiba). Ricardo vai de pilsen, a mais tradicional para os paladares brasileiros, mas sempre tem uma cerveja estrangeira para experimentar, sempre coisa boa. Mas o Julinho... Ah o Julinho, de uns tempos pra cá virou amante do vinho. Rafão, com sua sutileza, diria que vinho é coisa de viado. Ou veado. De maricas, que seja.
Julinho chegou ao cúmulo de, no último ano, presentear a todos nós – Cenoura, Ricardo, Rafão e eu – com uma garrafa de vinho cada. Sempre o mesmo vinho. Um bordeaux, de espécime caríssima, de altíssima qualidade, que jura ele ter pago uma pechincha: apenas noventa e nove dólares pela internet.
- Coisa muito boa esse vinho – insistia Julinho, sempre que presenteava algum de nós. - Especial para beber com aquela gata, ouvindo um som bacana, e aí... PIMBA. Sabe? É tiro dado, jacu deitado.
A cara do Julinho a falar isso era como a de um profeta em meio à revelação divina. Era como se existisse mágica no vinho.
Mas aos poucos as peças fora se encaixando e tudo foi fazendo sentido. Julinho era sabidamente um pegador. Mas em retrospecto começamos a perceber que sempre havia um vinho nas histórias de sedução do Julinho. Desse mato sai coelho...
Como na vez em que o Julinho furou os planos e se mandou para a Praia do Rosa:
- Caras, cheguei lá e estava tudo lotado. Até pensei em voltar. Mas aí vi um pessoal bacana na frente duma pousada e fui puxar um papo. A atendente da pousada era uma graça. Tipo surfistinha, sabe? Gastei um xaveco básico e arrumei uma cabana pra mim. Mas aí, de noite, convidei a gata pra tomar um vinhozinho especial que eu tinha levado. Na segunda taça ela já tava na minha e eu na dela...
Ou como na vez em que ele faturou (termo terrível, alguém pode dizer, mas e daí?) a professora de ginástica da academia:
- Caras, ela é maravilhosa. Todos os homens da academia passavam se exibindo para ela, puxando ferro, inflando o peitoral. E ela nada. Aí cheguei junto, larguei um xaveco cabeça, falando de Neruda, Pessoa, e chamei ela pra tomar um vinho no parque. Por sorte eu tinha um vinho no carro e...
Foi num churrasco, só dos guris, regado a ceva bem gelada que o Cenoura matou a charada: o vinho só podia ser batizado. Tinha que ser batizado.
- Não, capaz – defende-se Julinho sempre que tocamos no assunto. - As minas curtem um vinhozinho tinto...
- Para de sacanagem, velho. Todas as minas que tu oferece teu vinho dão pra ti, não importa onde. - Cenoura empostava um tom acusatório na voz.
- Bah cara, isso é trapaça. - O tom de desapontamento na voz do Ricardo só cessou com o triunfo a seguir: - Isso quer dizer que eu sou o melhor pegador da turma!
- Pô, bem capaz que eu ia batizar os vinhos. O segredo é o xaveco, juro... Agora, deixem de sacanagem e peguem mais uma ceva lá.
- Acabou a ceva, Julinho. - Cenoura era só maldade no olhar. - Mas tem o vinho que tu deu de presente ano passado. Que tal, vamos abrir a garrafa daquele vinho que tu tanto gostas?
E Julinho, nervoso, baixou o copo na mesma ocasião:
- Não, não. Não estou mais com sede, valeu.
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