Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Causídico - Episódio 1: A Entrevista

Pouco escritórios de advocacia equiparam-se ao escritório Raimundo Flach e Advogados Associados. As portas e esquadrias, todas em madeira de lei, contrastavam elegantemente com o piso de mármore negro polido. O luxo do ambiente de trabalho era finamente acabado com móveis desenhados e produzidos especialmente por famosa grife europeia – a ponto de ser o único na América do Sul a contar com tal desprendimento, segundo a revista de celebridades. Mas a elegância do escritório, que ocupa todo o nono e décimo andares do seu prédio no bairro Moinhos de Vento, o mais nobre de Porto Alegre, somente é possível pela impecável qualidade – e sobretudo resultados – que seus profissionais dedicam ao serviço oferecido aos clientes.

Naquela manhã de quarta-feira, Paulo suava frio, nervosamente, à espera de sua entrevista. Aquela oportunidade, de ser contratado pelo melhor escritório de advocacia do Estado – quiçá do Brasil, como se comentava nos corredores do Tribunal de Justiça – era única. E Paulo não desejava desperdiçá-la. Sua entrevista estava marcada para as dez da manhã. A recepção, antes cheia de candidatos àquela mesma vaga de Paulo, agora estava vazia. Paulo era o último. E lá estava ele, humilde, recém-aprovado no exame da Ordem dos Advogados e vestindo seu único terno.

Paulo observava insistentemente o ambiente. Não se parecia com nada que já tivesse visto antes. Como estagiário, trabalhou em órgãos públicos e em pequenos escritórios, tudo devidamente documentado no curriculum vitae que se amassava em suas mãos suadas. Mas a imponência daquele escritório, e sobretudo do nome de seu advogado maior – Raimundo Flach, apontado por alguns como o expoente da advocacia sul-americana – destacado em letras metálicas e douradas na parede da recepção fazia com que Paulo sentisse como se estivesse num ambiente nocivo, ao qual não pertencesse. Respirou fundo e dominou sua timidez. “Eu sou capaz.”, pensou consigo mesmo.


De trás do balcão, a secretária, usando um sensual terninho feminino verde escuro – com saia na altura dos joelhos e meias-calça, ao invés de calças – ignorava a presença de Paulo. Era cruelmente bonita. Olhos castanhos emoldurados em um par de óculos cor de mel, a pele clara com as bochechas avermelhadas por causa do frio da manhã e cabelos louros, radiantes, lisos e compridos, presos alto atrás da cabeça. Paulo, involuntariamente, passou por ela o olhar. Endireitou-se na cadeira em que estava sentado e esboçou seu melhor sorriso. Ele pode perceber que, com o canto do olho, ela notou o sorriso. No mesmo instante, ela levantou os olhos da tela do computador e dirigiu a palavra a Paulo.

- O doutor Jorge irá recebê-lo agora. Pode passar naquela na primeira sala à direita naquele corredor, por favor. - A resposta, mais fria que a manhã, veio seca e sem nenhum sentimento na voz.

Constrangido e envergonhado, Paulo levantou-se e saiu, olhos fixos no chão, em direção à sala indicada. Não podia acreditar no que fizera. Permitira abalar sua confiança justamente no dia mais importante de sua recém iniciada vida profissional. Pensativo, tentava retomar o foco para a entrevista. No meio do caminho, virou-se e voltou correndo para a recepção. Pegou rapidamente seu curriculo, que deixara cair. E, uma vez mais, passou em frente à bela secretária, que sequer levantou os olhos para olhá-lo.

Entrou na primeira sala à direita e, para a surpresa de Paulo, um rapaz apenas um ou dois anos mais velho que ele próprio estava sentado em uma mesa que de tão bagunçada parecia não pertencer àquele impecável escritório. Na parede, em um diploma escrito em alemão lia-se “Dr. Jorge Gehaus Silva”. O jovem advogado, vestido em um fino terno azul marinho e com gravata vermelha, que mais se destacava pelo tamanho do nó junto ao colarinho branco engomado que pela cor vibrante, educadamente levantou-se para cumprimentar o novel candidato. Gel no cabelo negro e o forte cheiro de cara colônia pós-barba mostravam, outrossim, que apesar da pouca idade, aquele era um advogado experiente. E mais que isso, esperto e ambicioso.

- Paulo, correto? Senta-te, por favor. E então, trouxeste teu currículo, como pedido?

Paulo entregou o currículo de poucas folhas, envergonhado ao notar que a bagunça sobre a mesa era, na verdade, inúmeros e vários outros currículos de provaveis outros candidatos à mesma vaga tentada por ele. Alguns dos curriculos era encadernados. Outros, de tão pesados, mais pareciam apostilas. Podia-se ver claramente quais eram de candidatas mulheres, coloridos e até mesmo perfumados.

- Paulo de Tarso Schirmer. Bonito nome. És parente do presidente do nosso Tribunal de Justiça, desembargador Milton Gonçalves de Tarso?

- Não, senhor – Paulo riu nervosamente. - Sou Paulo de Tarso como o santo. Não é sobrenome. Fui batizado em homenagem a São Paulo de Tarso, de quem minha mãe é devota.

- Não precisa me chamar de senhor, afinal temos quase a mesma idade, pelo que vejo aqui. - Jorge conversava sem tirar os olhos do documento trazido por Paulo, mas ainda consciente de todos os movimentos de seu entrevistado. - Interessante. Vejo que te formaste na Federal. Quinto melhor da tua turma. Muito bom. Mas percebo que estagiaste apenas em locais de menor expressão ou relevância. Me diga, Paulo, por que deveria eu te contratar e não a algum desses outros candidatos com vasta experiência em escritórios grandes, alguns até com melhor desempenho acadêmico?

Paulo engoliu em seco. Passara a noite anterior ensaiando o que dizer em frente ao espelho. Houve um momento, antes das onze horas da noite, que de tão nervoso precisou ligar para sua mãe, no interior gaúcho, para que ela o lembrasse o porque ele deveria ser contratado por um grande escritório. Recompondo-se, Paulo começou a falar, as palavra em princípio soando inseguras e falsas, mas ganhando confiança na medida em que eram ditas.

- Bom, honestamente acho que eu não deva ser contratado. - Jorge, espantado, tirou os olhos pela primeira vez do minguado currículo e olhou diretamente para Paulo, que continuou. - Isso se o que o escritório procura é apenas experiência. Mas se o que o escritório procura é oportunidade formar um excelente profissional conforme seus próprios parâmetros de exigência, eu sou a pessoa certa. Aprendo rápido e fácil. Sei peticionar muito bem, apesar de nunca ter trabalhado em um escritório de grande porte. Me relaciono bem com as pessoas. E sou do tipo que veste a camiseta da empresa.

Ao final do discurso, Paulo sentia seu coração acelerado de tanta adrenalina. Seus ouvidos zumbiam com o silêncio que que restara ao fim de sua explanação e, para piorar ainda mais a sua tensão, Jorge não dizia nada, apenas o encarava seriamente, olhos nos olhos. Por mais confiança que tentasse transparecer, a verdade era que Paulo ensaiara aquelas palavras até o ponto de acreditar cegamente nelas. Um pingo de suor, fruto do nervosismo, formou-se em sua testa e escorreu até seu olho esquerdo. Paulo piscou devido à ardência e, somente enquanto esfregava os olhos, Jorge quebrou o silêncio.

- Muito obrigado por ter vindo. Entraremos em contato em breve.

Sem dúvida, não era essa a resposta que Paulo esperava.

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4 comentários:

  1. Muito bom, Pedro. To começando a achar que tu deves fazer um curso literário, para desenvolver essa habilidade que tão fácil tem vem. Quem sabe em alguns anos não estaremos num sarau de lançamento do teu primeiro livro?

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  2. Valeu.

    Tu acabaste de garantir o episódio 2!!!

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  3. Gostei!

    Ass. Narigudo! haheheaaehheaah

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