Carnaval.
Não importava em quantos shows de rock, heavy metal ou reaggea fomo ao longo do ano. Todo verão, naquela mesma época do ano, Ricardo, Julinho, Cenoura, Rafão e eu tirávamos as camisetas Megaforce e colocávamos os colares de havaiana. Era carnaval na SAP – Sociedade dos Amigos da Praia, reconhecidamente o Maior Carnaval do Litoral Gaúcho!
Todo ano era a mesma coisa. Eu economizava a grana durante o veraneio apenas para comprar a camiseta de algum bloco e ganhar as entradas para as cinco noites de carnaval. Era o fim de inúmeras festas apenas tomando goles da cerveja dos guris – especialmente do Rafão e do Cenoura, parceiraços – e o início de altos tragos.
Porque para nós, afinal, baile de carnaval, com marchinhas e o escambal, significavam apenas duas coisas: bebida liberada e mulheres (liberadas, de preferencia).
Bebida era na concentração. O Ricardo apareceu, certa vez, com uns conhecidos dele (nunca vou lembrar o nome dos caras) e avisou que estavam montando um bloco para o carnaval no clube.
- Vai ser genial. A gente organiza o esquema, fatura uma grana, libera bebida para a gurizada e ainda fica com um monte de gatinhas! Não tem erro – insistia o Ricardo, com os olhos brilhando só de pensar na mulherada com shortinho de lycra, camisetas recortadas, com purpurina no decote dos seios e as bocas pintadas de batom vermelho. Com seus cabelos presos em rabos-de-cavalo, então, ele pirava. - Não tem erro! - repetiu.
Teve erro. Por alguma falha de planejamento, o bloco “Os Camaradas” era um sagu. Só tinha homem. Pior, todos os tarados e encalhados iam para o bloco, na esperança de tomar um trago e ganhar coragem para chegar nas minas. No Carnaval da SAP era impossível passar em branco. Mas no bloco a coisa ia de mal a pior.
Saímos da casa do Rafão – uma casa de veraneio alugada pelo pai dele, bem na beira-mar – em direção à concentração do bloco. Vestíamos todos nossas camisetas com o horrível desenho feito por um dos amigos do Ricardo. O Cenoura e eu pegamos uma tesoura cega e cortamos a gola da camiseta fora. Era algo que todo o ano se repetia, não sei bem o porquê.
No caminho da concentração do nosso bloco, que ficava na beira-mar exatamente em frente à entrada do clube e portanto do baile, passamos pela concentração do bloco Harlequina (assim mesmo, com H). Na verdade, passamos perto da concentração, pois ela ficava além das dunas, dentro da praia. Da calçada, ouvimos apenas a música alta a animar o que parecia ser uma pré-festa.
Nunca fui com a cara deste bloco, o Harlequina. Os donos do bloco eram uns carinhas metidinhos de uma outra praia que vinham para o nosso clube montar banca pra cima das nossas gurias. Me tapei de nojo ainda mais quando os caras resolveram lucrar forte, aumentando o preço das camisetas, inflacionando o carnaval na praia. Foi por isso que decidi aderir ao bloco que o Ricardo montou.
Os Camaradas.
A concentração dOs Camaradas era deprimente. Um quiosque decadente havia cedido um espaço para que o Ricardo e seu amigos pusessem os isopores com gelo e os engradados de cerveja. Duas mesas de madeira, que mais tarde descobri serem as portas dos banheiros do quiosque montadas em cavaletes da CORSAN que deveriam sinalizar buracos na rua, era a única coisa que separava o “comitê organizador”, responsável pela distribuição do prometido trago liberado, de uma multidão de macho, de todos os tipos, tribos, grupos, índoles e tendencias. A iluminação, uma lâmpada de tungstênio de 40w, bruxuleava fracamente sobre nossas cabelas enquanto balançava pendurada pelo fio elétrico. Música, apenas do bêbados cantando abraçados nos postes de luz da rua...
Não fossemos amigos do Ricardo e talvez beber ficasse quase impossível. O que seria um pavor, pois o alcool é o combustível da baixaria nos carnavais. As mulheres ficam mais bonitas e nós mais interessantes. O Julinho, mesmo sem precisar do incentivo, já estava bêbado graças à invenção do Rafão: martini misturado com vodka, em uma garrafa pet de dois litros com o gargalo cortado a faca e “lixado” nas pedras da calçada. Nenhuma garota que conheci, mesmo anos depois daquele carnaval, se atreveu a beber o tal coquetel. Mas os malucos que o destinho me escolheu para amigos tomavam aquilo aos goles, mesmo fazendo as caras mais feias que se possa imaginar.
Passados apenas cinco minutos, a cerveja gelada já havia terminado. Passamos a tomar cerveja quente mesmo, assistindo, a distância, o desespero no olhar do Ricardo, que via sua genial ideia virar um pesadelo.
Sem trago e sem mulheres, e ainda faltando uma hora para a abertura dos portões do baile de Grito de Carnaval, saímos em marcha de volta para a casa do Rafão. Sempre poderíamos confiar na memória do Rafão, e ele jurava ter visto garrafas de martini e vodka no armário da cozinha. Só que graças ao Julinho – que tinha faro para a coisa – resolvemos voltar pela beira da praia.
Foi assim que chegamos até a concentração do bloco invasor. Bloco Harlequina. Bloco da muherada. Durante vinte segundo me enfureci com os babacas metidos a surfistas (não pegavam uma onde sequer) cercados de mulheres, lindas, fogosas, bêbadas. Sorriam embasbacados, pois na concentração do bloco que organizaram havia três mulheres para cada homem. Após vinte segundos, mandei tudo pro espaço.
Era carnaval e eu ainda tava com zero no placar.
De início olharam estranho para nossas camisetas. Até teve um magrinho que tentou gritar “penetras”, mas o Rafão estava tão tarado com a quantidade de mulheres assim, soltinhas, soltinhas, que deu um encontrão no manesinho a ponto do cara cair de boca no chão, comendo areia. Dali em diante, ninguém ousou sequer olhar atravessado pra nós.
As minas faziam filas ao redor das mesas (mesas de verdade, dessas de plástico fornecidas por companhias de cerveja) para pegar um mata-mina (“um traguinho leve de vodka com suquinho em pó de envelope, que deixam as cheirosas bem faceirinhas”, como definiria o Cenoura) misturado direto nos isopores com gelo. Mergulhavam seus copos, mamadeiras, cantis, o que fosse. E por mais que bebessem, o nível nunca baixava. Pura bruxaria.
Em questão de minutos estávamos todos contagiados. O baile, ao que parecia, já tinha começado, ali, na beira da praia, na concentração do bloco “rival”.
- Rival o caramba – gritava o Julinho, ao lado da caixa de som que animava a festa – Com uma quantidade dessa de mulheres, é bloco co-irmão!
E lá se ia ele atrás de um rabo de saia. E o restante de nós também.
Combinamos de nos reagrupar dez para a meia-noite, para irmos até a abertura do baile – sim, nossas festas começavam cedo e iam até o amanhecer. No horário marcado, chegamos todos. O Julinho já estava um pouco melhor, a considerar o estado de embriaguez uma hora antes e que continuava a beber mata-mina COM as minas. O Rafão nem desconfiava que já estava com um enorme roxo no pescoço, lembrança deixada por alguma pervertida. O Cenoura e eu estávamos em melhores condições, mas igualmente com as caras felizes, sinal de que a contagem da pegação já havia se iniciado para todos.
- Cara, o Ricardo perdeu essa concentração, velho. Muito azar... - falou o Julinho, verdadeiramente chateado pelo nosso amigo.
- Relaxa, elas tão indo pro mesmo lugar que nós, eu disse. E era verdade. Atrás de nós quatro, um exército de gurias avançava, com suas camisetas de Harlequinas, colares de havaiana e flores no cabelo, em direção ao Grito do Melhor Carnaval do Litoral.
- É, meu – completou o Cenoura – o cara vai ter chance lá dentro do baile de pegar alguma coisinha boa.
Após um breve silêncio, a saberia veio à tona.
- Foda-se o Ricardo. O cara montou um bloco só de macho, com ceva quente e fedendo a mijo.
O Rafão matou ali a piedade que sentimos pelo nosso amigo.
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Cara, que sequela, não lembro de muita coisa desse carnaval!
ResponderExcluirPior que eu também cortava a gola da camisa e não lembro se tinha algum motivo real. iuhaiuahiuahiuaha
ResponderExcluirVocês não lembram porque são uns bêbados!
ResponderExcluirE viviam drogados.
Agora estão curados.
Encontrei Jesus,
Encontrei Jesus,
Encontrei Jesus!
Na casa do Senhor, não existe satanás!
Xô, satanás
Xô, satanás!