Era uma vez um castelo.
Esse castelo tinha um rei, que com a
ajuda de seus cavaleiros, protegia todas as pessoas do Reino.
Um dia, enquanto o Rei governava o
Reino, sentado em seu trono, a Rainha estava a admirar a paisagem
pela janela da torre do castelo. Foi então, de repente, que a Rainha
deu um grito.
E o grito alertou a todos no castelo.
Pois lá longe, nas montanhas vermelhas, um enorme e terrível dragão
despertara de seu sono de fogo, e voava na direção do castelo, para
destruir a tudo e a todos.
O Rei, então, para salvar o Reino e o
castelo, ordenou que soassem as trompetas, e convocou a presença de
todos os seus cavaleiros reais.
Vieram todos os cavaleiros do Reino,
usando suas armaduras completas. Havia cavaleiros fortes como touros,
ou ágeis como felinos. E havia aqueles que eram resistentes como
ursos. Alguns eram inteligentes como uma raposa, ou sábios como as
corujas. E tinha alguns, poucos, que eram esplendorosos como águias
reais.
E havia um pequeno escudeiro, filho de
camponeses, que curioso, a tudo assistia.
- Meus nobres e bravos cavaleiros –
disse o Rei – o Reino precisa de suas valiosas habilidades para
conter uma terrível ameaça.
E todos os cavaleiros, em uníssono,
responderam:
- Não tememos nada!
O Rei continuou.
- Um temível dragão voa em direção
do castelo e do Reino, destruindo com suas chamas tudo o que encontra
pelo caminho. Nossos portões foram fechados, mas isso não significa
muito. Pois os que trabalham e vivem nos campos não puderam se
refugiar dentro de nossos muros, e estão desprotegidos.
Os olhos do Pequeno Escudeiro,
amendoados e grandes em seu rosto infantil, arregalaram-se. A boca se
abriu, em susto, e o pavor fez quem com nenhum som fosse emitido.
Pois a mamãe e o papai do Escudeiro ainda estavam nos campos, a
perigo. O aprendiz de cavaleiro segurou o choro, na torcida para que
os cavaleiros do Reino cumprissem a missão.
Porém, os cavaleiros, tão corajosos
no passado, declinaram, um a um, a difícil missão.
- Um dragão? Creio que eu não seja
forte o suficiente... – respondeu o cavaleiro do elmo com chifres
de touro.
- Desculpe-me, meu rei, mas não sou
ágil o bastante – disse o cavaleiro com o escudo com desenho de um
gato.
- E eu não sou resistente a ponto de
aguentar um dragão – argumentou o cavaleiro com gibão de pele de
urso.
- Receio que minha inteligência não
seja párea – excusou-se o de manto de raposa.
- Ou a minha sabedoria... - falou o
cavaleiro com o insígnia da coruja engastada no peito da armadura.
O semblante do Rei era de preocupação.
Sabia que encarar um enorme e apavorante dragão vermelho, com presas
maiores que lanças, garras afiadas como espadas, escamas resistentes
como escudos de aço, era missão que apenas o mais corajoso dos
cavaleiros aceitaria. Voltou-se para seu último cavaleiro, aquele
cuja viseira do elmo fora forjada em prata na forma do bico de uma
águia real, com engastes de ouro que faziam par às filigranas de
sua armadura, caprichosamente martelada par imitar as penas da asas
da ave de rapina. Era o mais esplendoroso e galante de todos os
cavaleiros, e era também a última esperança.
- E você, Cavaleiro?
- Se força, agilidade, resistência,
inteligência ou sabedoria não são capazes de derrotar um dragão,
meu charme e carisma certamente não valerão de nada.
E os cavaleiros, envergonhados,
jogaram suas armas ao chão e saíram, de cabeças baixas, pelos
portões do salão do trono. O medo os vencera antes mesmo da chegada
do dragão. “O Reino está perdido”, pensou o Rei.
- Eu vou.
Os olhos do Rei procuraram a voz aguda
e desafinada. Quem dissera aquilo?
- Eu vou enfrentar o dragão. Eu vou
salvar o Reino.
O Rei, finalmente, baixou os olhos e
viu, aos pés dos degraus que antecipavam o trono, aquele menino de
cabelos loiros descabelados, com sua túnica de cavaleiriço com
brasão desbotado, que certamente fora emprestada de um rapaz maior e
mais velho.
- Oh, menino. Muito obrigado pela sua
valentia. Mas eu não poderia, jamais, permitir que uma criança
arriscasse sua vida contra um dragão. Este perigo é para um adulto,
apenas, e para um cavaleiro real. - A voz amável do Rei era terna,
porém firme.
- Eu quero ser um cavaleiro. Eu
preciso enfrentar o dragão e salvar o Reino. Eu preciso salvar minha
mamãe e meu papai.
A obstinação do pequeno Escudeiro
era comovente. Mas um rei devia proteger a todos, e às crianças
principalmente.
- Desculpe-me, meu jovem. Você não
poderá enfrentar o dragão. É meu dever protegê-lo, e não o
inverso. Guardas, levem o garoto para algum lugar protegido.
Antes que os guardas chegassem, o
Pequeno Escudeiro, com os olhos marejados de terror e aflição, saiu
correndo, escadas abaixo pela torre. O Rei ainda pensava em alguma
alternativa quando ouviu, uma vez mais, a Rainha gritar.
O dragão estava chegando.
E para supresa de todos os que
observavam pelas janelas do castelo, o jovem Escudeiro havia fugido
pelos portões de serviço e colocava-se, desafiadoramente, entre o
castelo e o dragão.
O dragão chegou voando, suas asas de
couro negro levantando poeira do chão com a força do ar que
deslocava a cada batida. Ao aterrisar, a força e o peso das suas
patas fez o chão tremer, que até as fundações de pedra do castelo
se abalaram – assim como a todos os que se refugiavam atrás dos
muros.
O Pequeno Cavaleiriço cobriu seu
olhos e tentou manter o equilíbrio. Mas foi o rugido do dragão,
quente, fétido e ensurdecedor, que fez com que o medo brotasse em
seu coração. A simples presença daquela besta descomunal, que fez
até mesmo os mais bravos cavaleiros recusarem a missão, era demais
para o jovem menino. E o terror começou a extravasar na forma de
lágrimas de pranto.
Porém, em meio ao choro infantil de
mais genuíno medo, o aprendiz de cavaleiro lembrou de sua mamãe e
de seu papai. Nada, nem ninguém, a não ser ele próprio, poderia
salvá-los. E assim, mesmo com o medo primitivo que todos sentem
frente aos dragões, o jovem Escudeiro endireitou os ombro, ergeu o
queixo e secou os olhos.
Todos os espectadores da torre olharam
com espanto o menino caminhar em direção ao dragão. Mas o mais
impressionado com a súbita coragem foi o próprio dragão. Com sua
voz grave e monstruoso, o dragão aproximou seus dentes do Escudeiro
e perguntou sussurradamente:
- Você não sente medo de mim,
menino?
O intrépido menino engoliu em seco,
e, com a voz ainda vacilante, respondeu, com a mais pura honestidade
que apenas as crianças poderiam ter:
- Sim, tenho. Muito medo.
- E ainda assim você veio para me
enfrentar?
No alto da torre, a Rainha fechou os
olhos. Não podia assistir aquela criança se arriscar perante a
enorme fera.
- Não – respondeu o Pequeno
Escudeiro. E jogou sua espada de madeira e túnica de algodão no
chão. - Eu não poderia vencê-lo, nem mesmo se eu quisesse. Sou
apenas um menino, e você, um dragão!
- E como você espera impedir que eu
destrua a tudo e a todos com meu fogo, criança?
- Pedindo por favor.
- Como??? - respondeu o confuso dragão
com uma pergunta.
- Por favor, senhor dragão, não
destrua o castelo e o Reino. Por favor, não faça mal à minha mamãe
e ao meu papai.
O silêncio que se seguiu foi imenso.
Se podia escutar a relva roçando ao vento, pois ninguém ousava
sequer soltar a respiração a aguardar a reação do dragão. O
mundo parecia ter parado, o tempo congelado. Até que todos
assistiram ao dragão se levantar e, com seus olhos oblíquos e
amarelos a fitar o jovem escudeiro, inflar o peito.
O dragão suspirou. Fundo. Como nunca
fizera antes. E com um respeito venerável nos olhos, mirou fundo no
Cavaleiriço.
- Eu vou atender ao seu pedido, jovem.
Pois você, com seu medo e fragilidade infantil, teve a coragem de
fazer o que nenhum cavaleiro ou adulto jamais fizera. Você me pediu
por favor. E em resposta, eu digo que atenderei seu favor, e não
farei mal à sua mamãe e ao seu papai, e tampouco ao castelo ou ao
Reino.
Com um sorriso no rosto, a ilustrar a
felicidade de salvar a mamãe e o papai, o Pequeno Escudeiro
adiantou-se mais um passo, e arriscou, com seus bracinhos macios, um
abraço em volta do tornozelo do imenso dragão.
- Muito obrigado, senhor dragão.
O dragão, impressionado com o novo
herói que surgira, respondeu uma vez mais:
- Obrigado, você, jovem. Por ensinar
a todos que palavras mágicas podem mudar o mundo. Por ensinar que a
coragem é enfrentar o medo, e não não sentir medo. Volte agora
para sua família, que eu voltarei para minha montanha sabendo que
ainda há esperança para a humanidade.
E o dragão, de súbito, bateu asas,
tão fortemente, que o Jovem Escudeiro caiu sentado ao chão com o
vento que se fez. E, voando pesadamente, retornou a fera para suas
montanhas cheias de cavernas, ao longe.
O Reino estava salvo.
O corajoso menino levantou-se, ávido
por sair correndo em direção aos campos em que trabalhavam sua
mamãe e seu papai. Contudo, não era preciso. Eles próprios vieram
correndo ao socorro de seu filhinho, e quando enfim chegaram,
encontraram o rapazinho de mechas douradas e olhos castanhos sozinho,
incrédulo.
Abraçaram-se como se fosse a primeira
e última vez. E mais. Choros do felicidade e sorrisos de orgulho
espocavam ao natural. E todos, alegres, ficaram presos naquele
momento pelo que pareceu ser uma agradável eternidade.
Até que foram interrompidos pelo Rei e
sua comitiva.
- Menino, você desobedeceu seu Rei. E
tal ato não passou desapercebido.
O Rei, então, puxou sua espada de
puro aço dourado, com empunhadura cravejada de pedras preciosas.
Ergueu-a tão rapidamente ao alto que a afiada lâmina assobiava ao
cortar o ar. Todos os presentes ficaram com os olhos fixos no menino,
e gritaram quando a espada baixou.
Pois ao baixar a espada, gentilmente,
o Rei a deitou, um de cada vez, sobre os ombros do Pequeno Escudeiro
e, sobre a total aprovação e comemoração dos presentes,
proclamou:
- Você me desobedeceu e arriscou sua
vida, vida que eu deveria proteger. E como eu devo à sua coragem
desculpas maiores que poderia cobrar, eu agradeço a você, jovem,
consagrando-o meu Cavaleiro do Dragão, o grande herói do Reino.
E assim o Reino ganhou um novo
cavaleiro. O seu maior herói. Cuja coragem enfrenta qualquer medo. E
cujas palavras mágicas tudo conquistam com educação.
E que é o filho amado da mamãe e do
papai.
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