Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O Rei, O Dragão e o Escudeiro

Era uma vez um castelo.

Esse castelo tinha um rei, que com a ajuda de seus cavaleiros, protegia todas as pessoas do Reino.

Um dia, enquanto o Rei governava o Reino, sentado em seu trono, a Rainha estava a admirar a paisagem pela janela da torre do castelo. Foi então, de repente, que a Rainha deu um grito.

E o grito alertou a todos no castelo. Pois lá longe, nas montanhas vermelhas, um enorme e terrível dragão despertara de seu sono de fogo, e voava na direção do castelo, para destruir a tudo e a todos.

O Rei, então, para salvar o Reino e o castelo, ordenou que soassem as trompetas, e convocou a presença de todos os seus cavaleiros reais.


Vieram todos os cavaleiros do Reino, usando suas armaduras completas. Havia cavaleiros fortes como touros, ou ágeis como felinos. E havia aqueles que eram resistentes como ursos. Alguns eram inteligentes como uma raposa, ou sábios como as corujas. E tinha alguns, poucos, que eram esplendorosos como águias reais.

E havia um pequeno escudeiro, filho de camponeses, que curioso, a tudo assistia.

- Meus nobres e bravos cavaleiros – disse o Rei – o Reino precisa de suas valiosas habilidades para conter uma terrível ameaça.

E todos os cavaleiros, em uníssono, responderam:

- Não tememos nada!

O Rei continuou.

- Um temível dragão voa em direção do castelo e do Reino, destruindo com suas chamas tudo o que encontra pelo caminho. Nossos portões foram fechados, mas isso não significa muito. Pois os que trabalham e vivem nos campos não puderam se refugiar dentro de nossos muros, e estão desprotegidos.

Os olhos do Pequeno Escudeiro, amendoados e grandes em seu rosto infantil, arregalaram-se. A boca se abriu, em susto, e o pavor fez quem com nenhum som fosse emitido. Pois a mamãe e o papai do Escudeiro ainda estavam nos campos, a perigo. O aprendiz de cavaleiro segurou o choro, na torcida para que os cavaleiros do Reino cumprissem a missão.

Porém, os cavaleiros, tão corajosos no passado, declinaram, um a um, a difícil missão.

- Um dragão? Creio que eu não seja forte o suficiente... – respondeu o cavaleiro do elmo com chifres de touro.

- Desculpe-me, meu rei, mas não sou ágil o bastante – disse o cavaleiro com o escudo com desenho de um gato.

- E eu não sou resistente a ponto de aguentar um dragão – argumentou o cavaleiro com gibão de pele de urso.

- Receio que minha inteligência não seja párea – excusou-se o de manto de raposa.

- Ou a minha sabedoria... - falou o cavaleiro com o insígnia da coruja engastada no peito da armadura.

O semblante do Rei era de preocupação. Sabia que encarar um enorme e apavorante dragão vermelho, com presas maiores que lanças, garras afiadas como espadas, escamas resistentes como escudos de aço, era missão que apenas o mais corajoso dos cavaleiros aceitaria. Voltou-se para seu último cavaleiro, aquele cuja viseira do elmo fora forjada em prata na forma do bico de uma águia real, com engastes de ouro que faziam par às filigranas de sua armadura, caprichosamente martelada par imitar as penas da asas da ave de rapina. Era o mais esplendoroso e galante de todos os cavaleiros, e era também a última esperança.

- E você, Cavaleiro?

- Se força, agilidade, resistência, inteligência ou sabedoria não são capazes de derrotar um dragão, meu charme e carisma certamente não valerão de nada.

E os cavaleiros, envergonhados, jogaram suas armas ao chão e saíram, de cabeças baixas, pelos portões do salão do trono. O medo os vencera antes mesmo da chegada do dragão. “O Reino está perdido”, pensou o Rei.

- Eu vou.

Os olhos do Rei procuraram a voz aguda e desafinada. Quem dissera aquilo?

- Eu vou enfrentar o dragão. Eu vou salvar o Reino.

O Rei, finalmente, baixou os olhos e viu, aos pés dos degraus que antecipavam o trono, aquele menino de cabelos loiros descabelados, com sua túnica de cavaleiriço com brasão desbotado, que certamente fora emprestada de um rapaz maior e mais velho.

- Oh, menino. Muito obrigado pela sua valentia. Mas eu não poderia, jamais, permitir que uma criança arriscasse sua vida contra um dragão. Este perigo é para um adulto, apenas, e para um cavaleiro real. - A voz amável do Rei era terna, porém firme.

- Eu quero ser um cavaleiro. Eu preciso enfrentar o dragão e salvar o Reino. Eu preciso salvar minha mamãe e meu papai.

A obstinação do pequeno Escudeiro era comovente. Mas um rei devia proteger a todos, e às crianças principalmente.

- Desculpe-me, meu jovem. Você não poderá enfrentar o dragão. É meu dever protegê-lo, e não o inverso. Guardas, levem o garoto para algum lugar protegido.

Antes que os guardas chegassem, o Pequeno Escudeiro, com os olhos marejados de terror e aflição, saiu correndo, escadas abaixo pela torre. O Rei ainda pensava em alguma alternativa quando ouviu, uma vez mais, a Rainha gritar.

O dragão estava chegando.

E para supresa de todos os que observavam pelas janelas do castelo, o jovem Escudeiro havia fugido pelos portões de serviço e colocava-se, desafiadoramente, entre o castelo e o dragão.

O dragão chegou voando, suas asas de couro negro levantando poeira do chão com a força do ar que deslocava a cada batida. Ao aterrisar, a força e o peso das suas patas fez o chão tremer, que até as fundações de pedra do castelo se abalaram – assim como a todos os que se refugiavam atrás dos muros.

O Pequeno Cavaleiriço cobriu seu olhos e tentou manter o equilíbrio. Mas foi o rugido do dragão, quente, fétido e ensurdecedor, que fez com que o medo brotasse em seu coração. A simples presença daquela besta descomunal, que fez até mesmo os mais bravos cavaleiros recusarem a missão, era demais para o jovem menino. E o terror começou a extravasar na forma de lágrimas de pranto.

Porém, em meio ao choro infantil de mais genuíno medo, o aprendiz de cavaleiro lembrou de sua mamãe e de seu papai. Nada, nem ninguém, a não ser ele próprio, poderia salvá-los. E assim, mesmo com o medo primitivo que todos sentem frente aos dragões, o jovem Escudeiro endireitou os ombro, ergeu o queixo e secou os olhos.

Todos os espectadores da torre olharam com espanto o menino caminhar em direção ao dragão. Mas o mais impressionado com a súbita coragem foi o próprio dragão. Com sua voz grave e monstruoso, o dragão aproximou seus dentes do Escudeiro e perguntou sussurradamente:

- Você não sente medo de mim, menino?

O intrépido menino engoliu em seco, e, com a voz ainda vacilante, respondeu, com a mais pura honestidade que apenas as crianças poderiam ter:

- Sim, tenho. Muito medo.

- E ainda assim você veio para me enfrentar?

No alto da torre, a Rainha fechou os olhos. Não podia assistir aquela criança se arriscar perante a enorme fera.

- Não – respondeu o Pequeno Escudeiro. E jogou sua espada de madeira e túnica de algodão no chão. - Eu não poderia vencê-lo, nem mesmo se eu quisesse. Sou apenas um menino, e você, um dragão!

- E como você espera impedir que eu destrua a tudo e a todos com meu fogo, criança?

- Pedindo por favor.

- Como??? - respondeu o confuso dragão com uma pergunta.

- Por favor, senhor dragão, não destrua o castelo e o Reino. Por favor, não faça mal à minha mamãe e ao meu papai.

O silêncio que se seguiu foi imenso. Se podia escutar a relva roçando ao vento, pois ninguém ousava sequer soltar a respiração a aguardar a reação do dragão. O mundo parecia ter parado, o tempo congelado. Até que todos assistiram ao dragão se levantar e, com seus olhos oblíquos e amarelos a fitar o jovem escudeiro, inflar o peito.

O dragão suspirou. Fundo. Como nunca fizera antes. E com um respeito venerável nos olhos, mirou fundo no Cavaleiriço.

- Eu vou atender ao seu pedido, jovem. Pois você, com seu medo e fragilidade infantil, teve a coragem de fazer o que nenhum cavaleiro ou adulto jamais fizera. Você me pediu por favor. E em resposta, eu digo que atenderei seu favor, e não farei mal à sua mamãe e ao seu papai, e tampouco ao castelo ou ao Reino.

Com um sorriso no rosto, a ilustrar a felicidade de salvar a mamãe e o papai, o Pequeno Escudeiro adiantou-se mais um passo, e arriscou, com seus bracinhos macios, um abraço em volta do tornozelo do imenso dragão.

- Muito obrigado, senhor dragão.

O dragão, impressionado com o novo herói que surgira, respondeu uma vez mais:

- Obrigado, você, jovem. Por ensinar a todos que palavras mágicas podem mudar o mundo. Por ensinar que a coragem é enfrentar o medo, e não não sentir medo. Volte agora para sua família, que eu voltarei para minha montanha sabendo que ainda há esperança para a humanidade.

E o dragão, de súbito, bateu asas, tão fortemente, que o Jovem Escudeiro caiu sentado ao chão com o vento que se fez. E, voando pesadamente, retornou a fera para suas montanhas cheias de cavernas, ao longe.

O Reino estava salvo.

O corajoso menino levantou-se, ávido por sair correndo em direção aos campos em que trabalhavam sua mamãe e seu papai. Contudo, não era preciso. Eles próprios vieram correndo ao socorro de seu filhinho, e quando enfim chegaram, encontraram o rapazinho de mechas douradas e olhos castanhos sozinho, incrédulo.

Abraçaram-se como se fosse a primeira e última vez. E mais. Choros do felicidade e sorrisos de orgulho espocavam ao natural. E todos, alegres, ficaram presos naquele momento pelo que pareceu ser uma agradável eternidade.

Até que foram interrompidos pelo Rei e sua comitiva.

- Menino, você desobedeceu seu Rei. E tal ato não passou desapercebido.

O Rei, então, puxou sua espada de puro aço dourado, com empunhadura cravejada de pedras preciosas. Ergueu-a tão rapidamente ao alto que a afiada lâmina assobiava ao cortar o ar. Todos os presentes ficaram com os olhos fixos no menino, e gritaram quando a espada baixou.

Pois ao baixar a espada, gentilmente, o Rei a deitou, um de cada vez, sobre os ombros do Pequeno Escudeiro e, sobre a total aprovação e comemoração dos presentes, proclamou:

- Você me desobedeceu e arriscou sua vida, vida que eu deveria proteger. E como eu devo à sua coragem desculpas maiores que poderia cobrar, eu agradeço a você, jovem, consagrando-o meu Cavaleiro do Dragão, o grande herói do Reino.

E assim o Reino ganhou um novo cavaleiro. O seu maior herói. Cuja coragem enfrenta qualquer medo. E cujas palavras mágicas tudo conquistam com educação.

E que é o filho amado da mamãe e do papai.

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