Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Santinha

Fé. O dia dois de fevereiro é reservado, por muitos, para a fé. Especialmente em Nossa Senhora dos Navegantes, ou Iemanjá, conforme o sincretismo religioso praticado no Brasil. Mesmo não pertencendo a nenhuma religião específica, é difícil para quem possui  em sua alma espaço para a religiosidade (aqui referida em abstrato, de forma genérica) ficar alheio às demonstrações de fé ao seu redor. O dia dois de fevereiro, como poucos outros dias do ano, é marcado pela presença divina.

Meu avô Aldo era um homem de fé. Nunca o vi praticar nenhuma religião oficial, com seus dogmas e ritos de fé estabelecidos. Contudo, meu avô carregava sempre consigo uma corrente fina de ouro com uma medalhinha, não maior que uma moeda de cinco centavos, mas muito, muito mais delicada. Era dourada, delicada, antiga. Eu nunca soube se tivera outro dono antes dele. De um lado da medalhinha está gravado em relevo São Jorge, em seu cavalo, com a poderosa lança com que matou o dragão. Do outro lado, como que a contra-balançar a força, está a suavidade e sabedoria feminina da Iemanjá, a proteger meu avô e a toda a família. Era para ela que meu avô dirigia suas preces. Era para ela que meu avô me ensinou a rezar. Para a nossa Santinha.


Durante anos passei minhas férias – de verão e inverno – com meu avós. E lembro, com muito carinho, do cuidado que eles tinham para comigo e minha irmã. Sempre antes de dormir, eu ia até minha avó e meu avô para dar-lhes um beijo e desejar-lhes boa noite. E sempre depois de receber meu beijo, meu avô dizia “um beijo na Santinha, para proteção”. O curioso é que sempre que eu beijava a Santinha – e que fique claro, o lado de Iemanjá da medalhinha – era um beijo doce. Mesmo ficando vinte quatro horas por dia pendurada no pescoço de meu avô, em contato com suor, sujeira etc, o beijo era sempre doce. Era um beijo de mãe protetora. Diferentemente do São Jorge, que misteriosamente tinha um gosto amargo e salgado...

Com o tempo, a situação ficou instintiva. Não mais meu avô pedia para beijar a Santinha. O pedido partia de mim. Acredito que de minha irmã também. Eu aprendera a confiar no poder da Santinha. Eu acreditava no poder da Santinha. Genuína e inocente fé. Para mim, se existe Deus, ele trabalha através da nossa Santinha. Era por isso que, na beira da praia, eu chegava para meu avô – sempre sentado à sombra do guarda-sol, em sua cadeira de praia, com sungão e camisa social de manga curta desabotoada – e pedia para beijar a Santinha antes de ir para o mar. Aliás, até hoje eu rezo para a Santinha quando estou no mar. Coincidência ou não, nunca sofri um acidente ou afogamento sequer...

Eu recordo perfeitamente dele nos dias dois de fevereiro. A cada ano – fosse na praia, fosse no interior, onde ele morava – meu avô e minha avó reservavam um momento para ir até o mar ou rio – ou simples veio d'água – para rezar a Iemanjá e dedicá-la uma oferenda. Uma flor. Sempre flores. Era ali, em seu momento intimista que eles agradeciam por toda a proteção dedicada no ano que passou e pediam proteção para o próximo ano. O ato de oferecer uma flor em agradecimento era tão importante para eles que, ao ver minha mãe, todo ano, preocupada em fazer o mesmo faz com que eu me sinta mal por não honrar a tradição.

A Santinha, sempre comigo a me proteger, me foi legada no dia da morte do vô. De tudo que meu avô deixou, Ela era a única coisa que eu poderia desejar. É por isso que todo dia dois de fevereiro eu reservo alguns minutos e rezo. Rezo para meu avô proteger a mim e a todos que amo. E rezo para a Santinha, da mesma forma que ele ensinou-me. E no final, eu beijo a medalhinha. Mas agora, eu beijo as duas faces. Um beijo Santinha, outro no meu Vô. Porque a Santinha é mágica, e desde a morte do vô Aldo, é ele quem habita o amuleto com ela. É ele, que em minha infância me levava na hípica para ver os cavalhinhos, que agora cavalga imponente com a lança na mão junto com a Santinha.

Desde sua morte, quando recebi a Santinha, os dois lados tem um beijo doce.

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Leiam também Carazinho aqui no Pedrão Total.
Que a Santinha proteja todos vocês.

3 comentários:

  1. Pedrão curtiu seu comentário!

    Abrass

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  2. Filho meu: a mãe Iemanjá sempre protegeu teu avô e a todos nós com seu manto de doçura e amor. Teu avõ agora está ao lado de Ogun - o São Jorge- porque ele, teu avô, era filho de Ogun, o guerreiro e de Iemanjá. Teu avô sempre foi um guerreiro.Lutou muito: contra as injustiças, as desigualdades sociais e por um mundo mais equânime.Mas com firmeza e doçura ao mesmo tempo. Ogun e Iemanjá acompanhando. Quando eu vou à praia no dia 2 de fevereiro é tão somente para agradecer à Iemanjá. Agradecer pela minha família tão amada, pela saúde que tenho, pelo trabalho que tenho e pelas númeras bençãos que a vida sempre me proporcionou. Nunca pedi nada para mim:somente para os que amo. O que eu preciso e mereço Ela sabe e sempre saberá. Por tua fé, acredita. Que Iemanjá e Xangô sempre possam te responder e proteger. Beijo gr5ande da mãe.

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