A Major Aline Staussmann era a única mulher oficial da Força Sombra. Em um ambiente machista, ela conquistou o respeito de todos. Sua competência e lealdade eram inquestionaveis. Todos lembravam do episódio alguns anos antes, quando, cumprindo ordens da cúpula militar gaucha, assassinou a então Supervisora do Estado.
A Supervisora, indicada pelo já então Ministro da Justiça, Segurança e Bem-Estar, viera de São Paulo para administrar os gaúchos com mão de ferro. Desde sua chegada, animosidades politicas reacenderam e inflamaram antigas pautas separatistas. A Assembleia Legislativa, apesar de seu papel puramente figurativo em razão do tradicionalismo gaúcho, foi dissolvida pela primeira vez na história do Império. Foi então que o Partido Pela Independência, atuando na clandestinidade, iniciou uma campanha popular pela desmoralização da Supervisão do Império no Rio Grande do Sul. Acusações de corrupção e desvio de dinheiro público eram apenas o início. Suspeitas de favorecimentos e desvios de dinheiro público em favor de empresas situadas em Brasília e São Paulo eram veiculadas em sites na Internet com base no exterior. A mídia impressa, de rádio e de televisão estava sob o controle da Polícia Ideológica e do Ministério da Informação Oficial, mas a Internet permanecia livre, para o desespero da Supervisora. Em resposta, com a concordância do Ministro da Justiça, foi decretada a execução sumária de qualquer um suspeito de colaborar com o PPI.
Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
domingo, 25 de outubro de 2009
Gauchos das Sombras - Cap. 8: Baixas
Na sala de espera do Hospital dos Veteranos de Guerra, em Porto Alegre, Getúlio esperava impacientemente ao lado da máquina de café. O HVGPA, construído na zona de sul da Capital, apresentava o mais moderno centro cirúrgico para tratamento de feridos de guerras no sul do continente americano. “Impressionante”, pensou, “toda a tecnologia do mundo e não são capazes de comprar uma máquina que faça um café decente.” Quando a enfermeira apareceu na porta, de súbito ficou em pé.
- Como ele está? – perguntou Getúlio.
- Vivo. Mas os médicos não sabem dizer quando ou se irá acordar.
A notícia fez com que a expressão na rosto de Getúlio se endurecesse ainda mais. Na verdade, não tinha nenhuma empatia pelo tenente Douglas Zuchinni. Mas como soldado, não podia deixar de se solidarizar. Podia ser ele, Getúlio, deitado naquela maca da UTI. Sabia que o jovem oficial tinha apenas setenta e duas horas para apresentar melhoras significativas que permitissem aos médicos concluírem que teria uma chance de recuperação superior a oitenta porcento. Do contrário, seria recondicionado para o campo de batalha. E esse pensamento fazia Getúlio sentir um frio na espinha.
- Como ele está? – perguntou Getúlio.
- Vivo. Mas os médicos não sabem dizer quando ou se irá acordar.
A notícia fez com que a expressão na rosto de Getúlio se endurecesse ainda mais. Na verdade, não tinha nenhuma empatia pelo tenente Douglas Zuchinni. Mas como soldado, não podia deixar de se solidarizar. Podia ser ele, Getúlio, deitado naquela maca da UTI. Sabia que o jovem oficial tinha apenas setenta e duas horas para apresentar melhoras significativas que permitissem aos médicos concluírem que teria uma chance de recuperação superior a oitenta porcento. Do contrário, seria recondicionado para o campo de batalha. E esse pensamento fazia Getúlio sentir um frio na espinha.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Gauchos das Sombras - Cap. 7: Invasão de Domicílio
Arnaldo de Sá Magalhães Sobrinho – o Arnaldinho – saboreava um fino licor de damasco com um sorriso nos lábios. A pressão de seus superiores havia diminuído, graças ao seu sucesso em Itaipu. O serviço de inteligência das Polícias Ideológicas estava certo: o Rio Grande do Sul planejava uma investida contra Itaipu I e II. Todavia, a ordem dada por Arnaldinho para o remanejamento das tropas anteriormente estacionadas em Florianópolis para a proteção das duas maiores hidrelétricas do mundo interrompei o avanço do comboio militar dos sulistas. Por certo ficaram amedontrados com as defesas planejadas, a ponto de fugirem para território argentino. O sabor da vitória era doce. E com um teor alcoólico de vinte e cinco por cento.
Arnaldinho foi até o bar que mantinha no fundo de seu escritório domiciliar para servir mais uma dose. Foi nesse momento que sua secretária particular suavemente abriu a porta. Ele nunca vira mulher mais estranha. De jeito algum poderia ser considerada bonita, e para piorar, usava roupas masculinas. Arnaldinho a havia empregado como retribuição ao lobby exercido por um dono de laboratório farmacêutico amigo de sua família em sua campanha para a chefe da Polícia Ideológica. Segundo fora informado, ela possuiria habilidades que possivelmente lhe fizesse a melhor secretária em toda a estrutura burocrática da região sul. Ali, na calada da noite, degustando seu licor de damasco, Arnaldo teve de reconhecer que ela era realmente uma excelente funcionária.
- Senhor, houve uma explosão na Ponte de Acesso 3. Alguma ordem?
Arnaldinho foi até o bar que mantinha no fundo de seu escritório domiciliar para servir mais uma dose. Foi nesse momento que sua secretária particular suavemente abriu a porta. Ele nunca vira mulher mais estranha. De jeito algum poderia ser considerada bonita, e para piorar, usava roupas masculinas. Arnaldinho a havia empregado como retribuição ao lobby exercido por um dono de laboratório farmacêutico amigo de sua família em sua campanha para a chefe da Polícia Ideológica. Segundo fora informado, ela possuiria habilidades que possivelmente lhe fizesse a melhor secretária em toda a estrutura burocrática da região sul. Ali, na calada da noite, degustando seu licor de damasco, Arnaldo teve de reconhecer que ela era realmente uma excelente funcionária.
- Senhor, houve uma explosão na Ponte de Acesso 3. Alguma ordem?
sábado, 17 de outubro de 2009
Gauchos das Sombras - Cap. 6: Plano B
- Merda. Puta que pariu.
Os impropérios eram um desabafo. O plano de sair do continente e ingressar na Ilha de Santa Catarina através do mar, na calada da noite, não podia mais ser levado adiante. Getúlio não estava desapontado, mas sim irritado com as falhas na estratégia elaborada pelo Tenente Douglas. Na verdade, estava irritado com o próprio Tenente Douglas. A estratégia que fosse para o inferno.
Douglas era um guri de apenas dezessete anos. Alistou-se no serviço militar gaúcho com apenas quatorze anos, quando os coronéis da Brigada começaram a articular a criação de um exército insurgente. Douglas Zuchinni, ao saber do alistamento, convenceu seus pais a assinarem a autorização para a incorporação na Força Sombra, o Comando de Operações Secretas e Especiais – também chamado de Quarta Força. Disse-lhes que era uma viagem de colégio até o litoral. Apenas não podia imaginar que sua astúcia lhe renderia treinamento especial no Centro de Preparação de Oficiais das Sombras – CPOS. Desde então, nunca mais viu seus pais, em Caxias do Sul.
Os impropérios eram um desabafo. O plano de sair do continente e ingressar na Ilha de Santa Catarina através do mar, na calada da noite, não podia mais ser levado adiante. Getúlio não estava desapontado, mas sim irritado com as falhas na estratégia elaborada pelo Tenente Douglas. Na verdade, estava irritado com o próprio Tenente Douglas. A estratégia que fosse para o inferno.
Douglas era um guri de apenas dezessete anos. Alistou-se no serviço militar gaúcho com apenas quatorze anos, quando os coronéis da Brigada começaram a articular a criação de um exército insurgente. Douglas Zuchinni, ao saber do alistamento, convenceu seus pais a assinarem a autorização para a incorporação na Força Sombra, o Comando de Operações Secretas e Especiais – também chamado de Quarta Força. Disse-lhes que era uma viagem de colégio até o litoral. Apenas não podia imaginar que sua astúcia lhe renderia treinamento especial no Centro de Preparação de Oficiais das Sombras – CPOS. Desde então, nunca mais viu seus pais, em Caxias do Sul.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Gauchos das Sombras - Cap. 5: Preparativos
Atravessar a fronteira e ingressar em território pan-brasileiro não foi nada fácil. As trilhas percorridas por três dias e quatro noites através dos canyons a partir de Cambará do Sul escondiam perigos e eram surpreendentemente bem vigiadas pelos postos de fronteira. Mas a tarefa, quando comparada a invadir a Zona de Segurança Burocrática na Ilha de Florianópolis, mais parecia um passeio no shopping. Esse sim seria o grande desafio.
A noite era fria e úmida. Desde a destruição da porção meridional da camada de ozônio, os hábitos das populacões pasaram por transformações. A vida noturna se intensificou e muitas empresas passaram a adotar o horário comercial durante a madrugada. Durante o dia, apenas locais protegidos por escudos de ozônio, criados a partir de escassas e caríssimas torres de geração, abrigavam algum tipo de movimento ou agito. A noite, portanto, não representaria nenhum auxilio na misão de invadir a residência oficial do Chefe Regional da Policia Ideológica.
Getúlio, quieto e pensativo, preparava-se para a execução da missão. O esconderijo escolhido – uma maloca a apenas alguns quilometros da ponte de acesso à ilha – era sujo e fétido. O local ideeal para todos os ratos e baratas que ali estavam. Por outro lado, Getúlio ficou surpreso com a preparação do Exército Farroupilha. Qualquer equipamento que pudesse pensar necessário estava a sua disposição.
Somente ao preparar um estojo com injeções morfina percebeu que o ferimento em seu ombro não mais doía. Em verdade, desde a noite em que Aline invadiu sua tenda camuflada, durante um descanso noturno na travessia da fronteira, não sentia mais o desconforto.
Deixou seus preparativos de lado. Apoiado numa mesa suja de graxa, de frente para a parede de tábuas de madeira, Getúlio pedeu-se em seus pensamentos. Não conseguia decifrar aquela mulher. Sempre que ela lhe dirigia a palavra, era com arrogância e petulância. Quando lhe dirigia um olhar, era com lascívia e desprezo ao mesmo tempo. Mas naquela noite ela se entregara de corpo e alma. “Será mesmo?” Refletiu, pensou e não conseguiu chegar a nenhuma conclusão. Por certo Getúlio gostara de ter em suas mãos um corpo perfeito como o de Aline. Todavia, o ato sexual em si fora por demais agressivo, de ambas as partes, para que pudesse haver uma entrega – ao menos da alma. E tão logo ficou satisfeita, ela lhe dera um sorriso e, ainda se vestindo, deixou-o sozinho, nu, de costas no chão frio. O que significara aquilo?
- Todos prontos? Sargento Borges?
A voz de Aline, com imponência e altivez habitual, tirou Getúlio de seus pensamentos. Ao se virar, notou que o grupo, formado por mais três soldados de elite e pela própria Major Straussman, estava apenas lhe esperando.
Getúlio então assumiu seu lado militar. Tirou de sua mente qualquer pensamento que não o objetivo da missão. Seu rosto visivelmente perdeu qualquer traço de sentimento ou expressão. Faltavam apenas alguns detalhes. Aplicou sobre o ombro ferido Emplasto Poroso Sabiá com anestésico. Jogou nas costas sua pequena mochila com os equipamentos para a missão. E então, com satisfação e capricho apanhou suas armas. Uma pistola automática Glock-Smith .45 série GS31 com silenciador, para a sutileza. Uma antiga Ithaca 37 calibre 12 com cartuchos explosivos para a grosseria. E o seu revólver Cambará .38 com balas de Césio 37, para seu divertimento.
Na saída do esconderijo, com Getúlio tomando a dianteira do grupo, a Major Aline Straussmann soube que escolhera o homem perfeito.
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A noite era fria e úmida. Desde a destruição da porção meridional da camada de ozônio, os hábitos das populacões pasaram por transformações. A vida noturna se intensificou e muitas empresas passaram a adotar o horário comercial durante a madrugada. Durante o dia, apenas locais protegidos por escudos de ozônio, criados a partir de escassas e caríssimas torres de geração, abrigavam algum tipo de movimento ou agito. A noite, portanto, não representaria nenhum auxilio na misão de invadir a residência oficial do Chefe Regional da Policia Ideológica.
Getúlio, quieto e pensativo, preparava-se para a execução da missão. O esconderijo escolhido – uma maloca a apenas alguns quilometros da ponte de acesso à ilha – era sujo e fétido. O local ideeal para todos os ratos e baratas que ali estavam. Por outro lado, Getúlio ficou surpreso com a preparação do Exército Farroupilha. Qualquer equipamento que pudesse pensar necessário estava a sua disposição.
Somente ao preparar um estojo com injeções morfina percebeu que o ferimento em seu ombro não mais doía. Em verdade, desde a noite em que Aline invadiu sua tenda camuflada, durante um descanso noturno na travessia da fronteira, não sentia mais o desconforto.
Deixou seus preparativos de lado. Apoiado numa mesa suja de graxa, de frente para a parede de tábuas de madeira, Getúlio pedeu-se em seus pensamentos. Não conseguia decifrar aquela mulher. Sempre que ela lhe dirigia a palavra, era com arrogância e petulância. Quando lhe dirigia um olhar, era com lascívia e desprezo ao mesmo tempo. Mas naquela noite ela se entregara de corpo e alma. “Será mesmo?” Refletiu, pensou e não conseguiu chegar a nenhuma conclusão. Por certo Getúlio gostara de ter em suas mãos um corpo perfeito como o de Aline. Todavia, o ato sexual em si fora por demais agressivo, de ambas as partes, para que pudesse haver uma entrega – ao menos da alma. E tão logo ficou satisfeita, ela lhe dera um sorriso e, ainda se vestindo, deixou-o sozinho, nu, de costas no chão frio. O que significara aquilo?
- Todos prontos? Sargento Borges?
A voz de Aline, com imponência e altivez habitual, tirou Getúlio de seus pensamentos. Ao se virar, notou que o grupo, formado por mais três soldados de elite e pela própria Major Straussman, estava apenas lhe esperando.
Getúlio então assumiu seu lado militar. Tirou de sua mente qualquer pensamento que não o objetivo da missão. Seu rosto visivelmente perdeu qualquer traço de sentimento ou expressão. Faltavam apenas alguns detalhes. Aplicou sobre o ombro ferido Emplasto Poroso Sabiá com anestésico. Jogou nas costas sua pequena mochila com os equipamentos para a missão. E então, com satisfação e capricho apanhou suas armas. Uma pistola automática Glock-Smith .45 série GS31 com silenciador, para a sutileza. Uma antiga Ithaca 37 calibre 12 com cartuchos explosivos para a grosseria. E o seu revólver Cambará .38 com balas de Césio 37, para seu divertimento.
Na saída do esconderijo, com Getúlio tomando a dianteira do grupo, a Major Aline Straussmann soube que escolhera o homem perfeito.
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sábado, 3 de outubro de 2009
Carazinho
Existem lugares que marcam a memória. Na verdade, o correto seria dizer que há lugares que marcam os corações, pois as lembranças que ficam normalmente vem carregadas de sentimentos. Invariavelmente, a maioria de tais lugares “especiais” está presente na infância de cada um, o que explica a nostalgia que sentimos ao buscar na memória as lembranças que lhe são associadas.
Para mim, Carazinho é este lugar. Cidade pequena no interior do estado, foi lá que passei a maior parte do convívio com meus avós maternos. Quando criança, minhas férias de inverno, sem excepção, eram lá. E todos os Natais também. Anualmente, sair de Porto Alegre – pior, sair da Capital – para ir a Carazinho significava dias dentro de casa, sem nenhum programa interessante para fazer, sem amigos, sem videogame. Apenas a constante e agradável companhia do meu vô Aldo, minha vó Artêmia e minha tia-avó Aida. Não à toa foi por lá que adquiri o saudável hábito da leitura.
Com o passar dos anos, as visitas à Carazinho – e digo assim, “visitas a Carazinho” porque para mim ir a Carazinho era o mesmo que visitar o vô e avó – foram minguando. Veio a adolescencia e com ela as mudanças de prioridades nos períodos de férias. Pior ainda quando ingressei na faculdade. As visitas aos velhinhos, que eram fonte de amor e carinho inesgotáveis, passaram a ser eventuais, em escassos fins de semana. Apenas o Natal permanecia firme e forte.
Pensar em Carazinho é um convite a lembrar de cada momento que tive na companhia especial deles. Cada esquina da cidade esconde uma lembrança de algum momento com um dos três velhinhos. Cada lembrança é uma parte do que sou hoje. Foi lá que foi diagnosticada minha miopia e que meu avô me levou para fazer meus primeiros óculos. Foi lá que aprendi a jogar canastra e pontinho. Foi em Carazinho que ganhei de presente minha primeira camiseta do Grêmio. A lista de momentos não tem fim.
Infelizmente, minhas ultimas idas à Carazinho, ainda que repletas de lembranças e sentimentos, foram motivadas pelas mortes de meus avós e minha tia. Até mesmo pela questão profissional, coube a mim responder pelos espólios e resolver os negócios da família.
No último fim de semana retornei a Carazinho. A viagem de ônibus me permitiu terminar a leitura de um romance de John Grisham, “A Casa Pintada”. A história, narrada em primeira pessoa, conta o cotidiano de um garoto de sete anos que vive com seus pais e seus avós em uma fazenda de algodão no sul dos Estados Unidos. A história se passa nos anos 1950 e percebe-se pela narração a nostalgia com que o Autor evoca os momentos descritos no livro. Há, evidentemente, uma forte inspiração em “As Aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain, mas isso evidentemente é algo positivo.
O que realmente salta aos olhos é o conflito, na mente infantil, entre o sonho de se tornar jogador profissional de beisebol em uma cidade grande e abandonar a vida na fazenda com seus avós e o desejo de permanecer na companhia daqueles que se ama. A cada momento da leitura, não pude deixar de comparar os momentos do protagonista Luke Chandler com seus avós com os meus próprios momentos com meus avós. A impressionante caracterização da vida cotidiana de uma pequena cidade no interior do Arkansas me fez pensar – resguardadas as devidas proporções, evidentemente – nos meus dias de criança quando viajava a Carazinho para ficar na companhia de meus avós.
Ao terminar de ler o livro, estava emocionado. Por certo que a ótima habilidade do autor, autor de “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”, entre outros best-sellers, é indiscutível. Mas ao terminar a leitura eu já estava em viagem de volta para Porto Alegre. Dessa vez, fui a Carazinho para assinar a venda do último apartamento que pertencia a família. E foi então que percebi e meus olhos se encheram de lágrimas.
Carazinho nunca mais.
Para mim, Carazinho é este lugar. Cidade pequena no interior do estado, foi lá que passei a maior parte do convívio com meus avós maternos. Quando criança, minhas férias de inverno, sem excepção, eram lá. E todos os Natais também. Anualmente, sair de Porto Alegre – pior, sair da Capital – para ir a Carazinho significava dias dentro de casa, sem nenhum programa interessante para fazer, sem amigos, sem videogame. Apenas a constante e agradável companhia do meu vô Aldo, minha vó Artêmia e minha tia-avó Aida. Não à toa foi por lá que adquiri o saudável hábito da leitura.
Com o passar dos anos, as visitas à Carazinho – e digo assim, “visitas a Carazinho” porque para mim ir a Carazinho era o mesmo que visitar o vô e avó – foram minguando. Veio a adolescencia e com ela as mudanças de prioridades nos períodos de férias. Pior ainda quando ingressei na faculdade. As visitas aos velhinhos, que eram fonte de amor e carinho inesgotáveis, passaram a ser eventuais, em escassos fins de semana. Apenas o Natal permanecia firme e forte.
Pensar em Carazinho é um convite a lembrar de cada momento que tive na companhia especial deles. Cada esquina da cidade esconde uma lembrança de algum momento com um dos três velhinhos. Cada lembrança é uma parte do que sou hoje. Foi lá que foi diagnosticada minha miopia e que meu avô me levou para fazer meus primeiros óculos. Foi lá que aprendi a jogar canastra e pontinho. Foi em Carazinho que ganhei de presente minha primeira camiseta do Grêmio. A lista de momentos não tem fim.
Infelizmente, minhas ultimas idas à Carazinho, ainda que repletas de lembranças e sentimentos, foram motivadas pelas mortes de meus avós e minha tia. Até mesmo pela questão profissional, coube a mim responder pelos espólios e resolver os negócios da família.
No último fim de semana retornei a Carazinho. A viagem de ônibus me permitiu terminar a leitura de um romance de John Grisham, “A Casa Pintada”. A história, narrada em primeira pessoa, conta o cotidiano de um garoto de sete anos que vive com seus pais e seus avós em uma fazenda de algodão no sul dos Estados Unidos. A história se passa nos anos 1950 e percebe-se pela narração a nostalgia com que o Autor evoca os momentos descritos no livro. Há, evidentemente, uma forte inspiração em “As Aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twain, mas isso evidentemente é algo positivo.
O que realmente salta aos olhos é o conflito, na mente infantil, entre o sonho de se tornar jogador profissional de beisebol em uma cidade grande e abandonar a vida na fazenda com seus avós e o desejo de permanecer na companhia daqueles que se ama. A cada momento da leitura, não pude deixar de comparar os momentos do protagonista Luke Chandler com seus avós com os meus próprios momentos com meus avós. A impressionante caracterização da vida cotidiana de uma pequena cidade no interior do Arkansas me fez pensar – resguardadas as devidas proporções, evidentemente – nos meus dias de criança quando viajava a Carazinho para ficar na companhia de meus avós.
Ao terminar de ler o livro, estava emocionado. Por certo que a ótima habilidade do autor, autor de “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”, entre outros best-sellers, é indiscutível. Mas ao terminar a leitura eu já estava em viagem de volta para Porto Alegre. Dessa vez, fui a Carazinho para assinar a venda do último apartamento que pertencia a família. E foi então que percebi e meus olhos se encheram de lágrimas.
Carazinho nunca mais.
Gauchos das Sombras - Cap. 4: Novos Objetivos
O comboio militar que avançava do sul em direção ao que outrora fora a Tríplice Fronteira era impressionante. Proporcionalmente, era como se quase um terço de toda a população do novo Estado Gaúcho estivesse a serviço do Exército Farroupilha. Homens e mulheres. Somando-se os soldados aos ciborgues, o novo país teria plenas condições de manter sua insurgência contra o poderoso Império ao norte. O comboio, formado por transportes blindados de combate LAV-9 TaurusRS, apesar da defasagem tecnológica, tinha a vantagem de contar com geradores móveis de ozônio, o que permitia o avanço mesmo durante o horário crítico do meio-dia.
Na parte posterior do coboio, um furgão civil adaptado para servir ao exército farroupilha pela Motores Gerais de Gravataí sutilmente desacelerou, até finalmente parar. Em seu interior, um exaltado Getúlio Borges tentava entender o que estava acontecendo.
- Pensei que iamos para Itaipu. Qual a razão dessa parada? Em minutos ficaremos fora da área de proteção do escudo de ozônio – o timbre da voz de Getúlio demonstrava claramente sua irritação.
- E pensaste certo, Sargento Borges – a voz da Major Aline Strausmann era calma e confiante. Mesmo com o calor no interior do veículo, o alinhamento do uniforme de Aline era impecávelmente sensual. - A cúpula militar não podia correr o risco de ter os planos interceptados pelas milicias nortistas que ainda resistem. Por isso optamos por manter a real missão em segredo até este momento.
- Que real missão? Pela sutileza com que fui recrutado eu esperava ao menos saber quais minhas missões seriam.
- Getúlio – agora a voz de Aline era de deboche e escárnio – justamente pelo modo com que foste recrutado, não devias esperar nada! Apenas ordens.
O rosto de Getúlio ficou vermelho de raiva. Foi preciso usar mais do que seu treinamento militar para permanecer quieto. Quando jovem, os problemas de Getúlio com seus oficiais superiores fez com que passasse metade do serviço militar obrigatório no xadrez de sua unidade, situada em Santa Cruz do Sul. A razão pela qual permaneceu a outra metade do período em liberdade foi sua capacidade para a arte da guerra. Certa vez, em um treinamento conjunto realizado no Itaimbezinho, envolvendo todas as unidades de todo o Rio Grande do Sul das quatro forças, o cabo Borges, como era conhecido na ocasião, fora o único a receber a Estrela de Aço, ou Medalha de Honra ao Mérito Militar, para desgosto de seus comandantes. Getúlio era um soldado completo – ou quase. Faltava apenas aprender a manter a boca fechada.
- Quais são as ordens, senhora?
- Bem melhor. Toma isto – e entregou uma pasta de aço que mais parecia um prontuário médico. – Itaipu é um engodo. Com a ativação das Plantas Nucleares de Candiota I e Candiota II o Estado Gaúcho possui energia suficiente. Para que a guerra tenha um fim e possamos manter a independência, precisamos de acesso às informações da Polícia Ideológica. Somente com elas poderemos subornar o Ministro da Justiça e comprar a paz. Soldado – Aline agora empregava toda a autoridade de sua voz ao falar com o jovem à direção do veículo – leva-nos para Florianópolis. Pelas tuas habilidades e teu treinamento, Sargento, és o mais indicado para invadir a residência do Chefe da Polícia Ideológica.
Getúlio interrompeu a leitura e, com a expressão confusa, olhou para sua superiora hierárquica. Antes que pudesse perguntar algo, Major Aline Straussmann já oferecia a resposta:
- Foste escolhido, Getúlio, porque não importa o quão arriscada ou perigosa a missão seja, enquanto existir uma oferta do Generalato Argentino por tua cabeça, farás exatamente tudo o que mandarmos, da forma como queremos que faça. – Aline, acostumada a subjugar o sexo oposto, não se deu ao trabalho de disfarçar o riso no canto de seus fartos e belos lábios.
Uma vez mais com a face ruborizada pela cólera que engasgava em sua garganta, Getúlio deixou escapar um pequeno sussurro. Um pequeno, raivoso, quase inaudível comentário em conformidade com seu temperamento:
- Cadela.
- Disseste alguma coisa?
- Não, senhora. Missão dada, missão cumprida. Para Florianópolis.
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Na parte posterior do coboio, um furgão civil adaptado para servir ao exército farroupilha pela Motores Gerais de Gravataí sutilmente desacelerou, até finalmente parar. Em seu interior, um exaltado Getúlio Borges tentava entender o que estava acontecendo.
- Pensei que iamos para Itaipu. Qual a razão dessa parada? Em minutos ficaremos fora da área de proteção do escudo de ozônio – o timbre da voz de Getúlio demonstrava claramente sua irritação.
- E pensaste certo, Sargento Borges – a voz da Major Aline Strausmann era calma e confiante. Mesmo com o calor no interior do veículo, o alinhamento do uniforme de Aline era impecávelmente sensual. - A cúpula militar não podia correr o risco de ter os planos interceptados pelas milicias nortistas que ainda resistem. Por isso optamos por manter a real missão em segredo até este momento.
- Que real missão? Pela sutileza com que fui recrutado eu esperava ao menos saber quais minhas missões seriam.
- Getúlio – agora a voz de Aline era de deboche e escárnio – justamente pelo modo com que foste recrutado, não devias esperar nada! Apenas ordens.
O rosto de Getúlio ficou vermelho de raiva. Foi preciso usar mais do que seu treinamento militar para permanecer quieto. Quando jovem, os problemas de Getúlio com seus oficiais superiores fez com que passasse metade do serviço militar obrigatório no xadrez de sua unidade, situada em Santa Cruz do Sul. A razão pela qual permaneceu a outra metade do período em liberdade foi sua capacidade para a arte da guerra. Certa vez, em um treinamento conjunto realizado no Itaimbezinho, envolvendo todas as unidades de todo o Rio Grande do Sul das quatro forças, o cabo Borges, como era conhecido na ocasião, fora o único a receber a Estrela de Aço, ou Medalha de Honra ao Mérito Militar, para desgosto de seus comandantes. Getúlio era um soldado completo – ou quase. Faltava apenas aprender a manter a boca fechada.
- Quais são as ordens, senhora?
- Bem melhor. Toma isto – e entregou uma pasta de aço que mais parecia um prontuário médico. – Itaipu é um engodo. Com a ativação das Plantas Nucleares de Candiota I e Candiota II o Estado Gaúcho possui energia suficiente. Para que a guerra tenha um fim e possamos manter a independência, precisamos de acesso às informações da Polícia Ideológica. Somente com elas poderemos subornar o Ministro da Justiça e comprar a paz. Soldado – Aline agora empregava toda a autoridade de sua voz ao falar com o jovem à direção do veículo – leva-nos para Florianópolis. Pelas tuas habilidades e teu treinamento, Sargento, és o mais indicado para invadir a residência do Chefe da Polícia Ideológica.
Getúlio interrompeu a leitura e, com a expressão confusa, olhou para sua superiora hierárquica. Antes que pudesse perguntar algo, Major Aline Straussmann já oferecia a resposta:
- Foste escolhido, Getúlio, porque não importa o quão arriscada ou perigosa a missão seja, enquanto existir uma oferta do Generalato Argentino por tua cabeça, farás exatamente tudo o que mandarmos, da forma como queremos que faça. – Aline, acostumada a subjugar o sexo oposto, não se deu ao trabalho de disfarçar o riso no canto de seus fartos e belos lábios.
Uma vez mais com a face ruborizada pela cólera que engasgava em sua garganta, Getúlio deixou escapar um pequeno sussurro. Um pequeno, raivoso, quase inaudível comentário em conformidade com seu temperamento:
- Cadela.
- Disseste alguma coisa?
- Não, senhora. Missão dada, missão cumprida. Para Florianópolis.
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