Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

domingo, 25 de outubro de 2009

Gauchos das Sombras - Cap. 8: Baixas

Na sala de espera do Hospital dos Veteranos de Guerra, em Porto Alegre, Getúlio esperava impacientemente ao lado da máquina de café. O HVGPA, construído na zona de sul da Capital, apresentava o mais moderno centro cirúrgico para tratamento de feridos de guerras no sul do continente americano. “Impressionante”, pensou, “toda a tecnologia do mundo e não são capazes de comprar uma máquina que faça um café decente.” Quando a enfermeira apareceu na porta, de súbito ficou em pé.

- Como ele está? – perguntou Getúlio.

- Vivo. Mas os médicos não sabem dizer quando ou se irá acordar.

A notícia fez com que a expressão na rosto de Getúlio se endurecesse ainda mais. Na verdade, não tinha nenhuma empatia pelo tenente Douglas Zuchinni. Mas como soldado, não podia deixar de se solidarizar. Podia ser ele, Getúlio, deitado naquela maca da UTI. Sabia que o jovem oficial tinha apenas setenta e duas horas para apresentar melhoras significativas que permitissem aos médicos concluírem que teria uma chance de recuperação superior a oitenta porcento. Do contrário, seria recondicionado para o campo de batalha. E esse pensamento fazia Getúlio sentir um frio na espinha.


A missão de roubar os dados secretos do Império Pan Brasileiro diretamente na residência oficial do chefe regional da Polícia Ideológica foi um sucesso. Isso, claro, do ponto de vista dos generais neo-farroupilhas. As informações recuperadas pela equipe da Major Aline Straussmann permitiriam o desmantelamento das milícias nortistas, a localização de espiões infiltrados em território gaucho e até mesmo negociar a paz. Certamente os envolvidos na façanha receberiam elogios, talvez até algum condecoração.

Já do ponto de vista da unidade-sombra, a operação não foi um total sucesso. Dois soldados morreram. Um oficial, um jovem de apenas dezessete anos, recém saído do CPOS, corria o risco de ser recondicionado. Desde o início do levante separatista, uma dezena de Unidades de Recondicionamento Militar, ou “Santas Casas”, como eram apelidadas pelos soldados, foram construídas para abastecer o exército farroupilha com ciborgues. Qualquer matéria prima era bem vinda.

Getúlio, com a camiseta branca com a estampa do Mickey ainda suja de sangue, vestiu a parte de cima de seu uniforme militar e dirigiu-se até a recepção do hospital. Seus papéis de alta ainda não haviam sido assinados. Somente após poderia voltar para seu alojamento no quartel. De certa forma, a cama do alojamento parecia mais confortável que a de seu próprio apartamento. O cansaço começava a ficar evidente em seus olhos. As olheiras, profundas e escuras, eram reflexo dos dias sem dormir. Mas afinal, como dormir com sangue nas mãos?

Na porta do hospital, a Major Aline Staussmann aguardava. Acompanhada de dois enormes soldados, dava a impressão de que jamais esteve em território inimigo e em ação hostil recente. Sua postura, impecável, contrastava com a de Getúlio.

- Como está a perna?

A pergunta dela o surpreendeu. Parecia haver uma legítima preocupação em sua voz.

- Está bem. Foi apenas de raspão.

- E o Ten. Zuchinni?

Getúlio não respondeu, mas seus olhos deram a devida resposta. A independência dos gaúchos tinha um preço alto. E todos preferiam a morte ao recondicionamento.

- Uma pena. – A voz de Aline era pouco mais que um sussurro. Então, sem qualquer aviso, alinhou o corpo, endureceu a expressão e falou com a mesma voz fria e imperativa. – Sgto. Borges, acompanha-nos.

- Como assim, pensei que teria minhas vinte e quatro horas de descanso...

- Eu já te disse, sargento. Não te recrutamos para pensar, e sim para agir.

Getúlio não disse nada. De que adiantaria? Havia uma guerra sendo lutada nas sombras, e ela não permitia tempo para descanso ou luto.

***********************

Nenhum comentário:

Postar um comentário