Foi meu pai quem me disse quando eu ainda era guri que vivemos em um país de medíocres. Honestamente, acho que ele estava certo. O país da mediocridade é um lugar inóspito para se viver, prosperar. Especialmente quando se é inteligente. Ser inteligente virou uma maldição.
Qualquer pessoa é capaz de apontar soluções. Evidentemente, nem todas as soluções serão corretas. Acontece que quando se possui um grau de inteligência acima do homem médio – e por isso, medíocre – não se aponta apenas solução. É natural quando a mente inteligente vê o problema, de tentar entendê-lo, compreendê-lo, solucioná-lo e, mais importante, resolvê-lo de forma a impedir que o problema se repita. Simples, poderia se dizer, mas não é assim que funciona.
Deixe-me contar sobre um menino com enorme potencial. Não interessa seu nome, pois poderia ser Pedro, Fábio, José, Francisco... Seu nome não importa pois trata-se de uma amarga situação que acontece repetidamente, em inúmeros lugares diferentes, em famílias diferentes, em épocas diferentes. Mas enfim, ao menino. Adão.
Adão, filho de pais mais inteligentes que a média, foi feliz a ponto de herdar a capacidade de pensar, raciocinar e compreender o mundo ao seu redor de seus genitores. Sua infância foi normal, com acontecimentos pitorescos comum a qualquer pequeno. Mas ao alcançar idade escolar, sua mente adquiriu uma importância que o meio onde estava não conseguiu compensar. Sem maiores condições econômicas, Adão frequentou toda a pré-escola em rede pública. Para que não desperdiçassem a capacidade intelectual do filho, o casal realizou verdadeiros sacrifícios para matricular o pequeno Adão em uma escola privada.
Adão teve sorte. Teria, então, chance de desenvolver suas capacidades e aprimorar sua inteligência. Mas este é um país de medíocres, e nem todos os seus cidadãos pertencem à mediocridade por escolha. Aliás, creio ninguém escolha ser medíocre. Ocorre que a natureza é perversa com alguns, reservando-lhes pouca capacidade intelectual. Outros, todavia, são vítimas do sistema. O sistema que sustenta a mediocridade tolhe oportunidades e prende a grande maioria num rodamoinho de de desilusões. Sem chances de crescer, uma inteligência em potencial não passa disso: potencial. O verdadeiro segredo para gozar de inteligência acima da média geral é simples. Pura sorte.
Adão teve sorte.
Estudou em colégios particulares. Colégios, no plural, pois sua mente lhe exigia mais. Sua escola nunca lhe era desafiadora o suficiente. Aprender era fácil. Suas notas sempre estavam entre as melhores – quando não eram as melhores. Adão absorveu o máximo de conhecimento possível, aprendeu a usar sua capacidade intelectual. Mas isso em nada se deve por que era de fato inteligente. Adão atingiu um nível de excepcional inteligência porque teve sorte. E por ser inteligente, ele sabe disso.
A perspectiva de saber que a principal caracteristica que lhe distingue de outros - sua imensa capacidade intelectual – é um mero lance de destino pesa de sobremaneira na alma de qualquer pessoa. O conhecimento do mundo ao redor – e não necessariamente o mundo, talvez apenas seu país, sua cidade, seu bairro – e, mais importante, sua compreensão com seus problemas, mazelas e imperfeições são igualmente um fardo para quem é capaz de ver tudo isso. A inteligência, posta aqui como uma capacidade de ver o mundo sob uma perspectiva critica que autorize a ver o bom e, especialmente, o ruim da vida é, no fim, um fator de tristeza. E o lance de sorte, ironicamente, torna-se um lance perverso.
Adão é talvez umas das pessoas mais inteligentes que exista. Contudo, é impossível saber. Apesar de ter tido sorte quando jovem e ter desenvolvido sua mente tanto quanto fora possível, o país da mediocridade não tem onde absorvê-la. Sua inteligência, que tanto poderia fazer pela sociedade em que vive, ou pelas gerações futuras, na prática, não serve para nada. É puro potencial. Desperdício.
Adão é inteligente. E por isso mesmo é infeliz. A natureza – alguns dirão Deus – lhe deu um dom. Mas cobrou um preço talvez alto demais a ser pago. Saber, entender, compreender o mundo ao redor parece ótimo, mas assola a alma quando se descobre a impotência de resolver os problemas. A felicidade é fugaz, a passo que as aflições, angustias e desolações persistem. É impossível alguém com a inteligência como a de Adão passar incólume pela constatação dos podres que cercam a todos. A inteligência tem seu preço, e aceitar esse preço de forma a minimizar a tristeza que a acompanha exige algo que nem mesmo alguns dos mais inteligentes do mundo possuem. De nada adiante esperaram uma resposta, pois eu mesmo não sei.
Ver pessoas morrerem por incompetência das administrações públicas é triste. Ver como um sistema de impostos sufoca a produção e retira a possibilidade de criar novos empregos à massa de desempregados que lutam diariamente por sub-empregos, degradantes e humilhantes, apenas para terem como alimentar o filho no fim do dia, é aterrador. Mas o pior é saber como solucionar isso tudo e ver-se incapaz, fadado a viver o dia-a-dia apenas para sua própria sobrevivência, forçado a ser apenas médio, medíocre.
Ter o potencial, através da inteligência privilegiada, de ser diferente e, mais fazer a diferença a outras pessoas e ser incapaz de usá-la, pelos mais diversos fatores – e todos de completamente conhecidos - é um fator de extrema miséria, infelicidade. Adão não resistiu. Ser infeliz e saber o porque é conflitante. Como permancer preso à tristeza se conhecia os seu grilhões? E foi assim que Adão pensou, analisou, racionalizou e, por concluiu na sua solução. Por a solução em prática exigiu – e ainda exige – muita coragem de Adão. Isso porque a própria solução lhe faria infeliz, mas em um grau menor e mais tolerável do que sua imensa tristeza por sua inteligência desperdiçada. Adão decidiu ser burro.
Após terminar seus estudos e receber o diploma na faculdade, Adão está continuamente utilizando sua impressionante capacidade intelectual em seus constantes esforços para ser burro. Dia após dia cala as vozes em sua mente e impede que os acontecimentos do país e do mundo lhe façam sentido. Esforça-se apenas no sentido de ver a vida como a grande e esmagadora maioria a vê, e para tanto dedica boa parte de sua inteligência. Assim, sem entender a fundo o mundo ao seu redor, centrado apenas em seu dia-a-dia e preocupado apenas com sua vidinha ordinária, sem nada de mais especial, busca encontrar a felicidade que sua inteligência lhe negou.
Enfim, resolveu ser um mediocre. Mais um feliz mediocre.
DALHE ALEMAO CABEÇUDO!
ResponderExcluirÉ isso aí, boa iniciativa, mas o seguinte: o "país de medíocres" só o é assim justamente pela manutenção do "statu quo" por parte nossa elite.
ResponderExcluirPretensa literatura! Adorei o tag. E o começo está ótimo! Parabéns alemão!
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