Muito importante para todos os que lerem as postagens: por vezes estarei falando sério, postando opiniões próprias. Outras vezes estarei brincando com opiniões que poderiam ser minhas, mas não são. E por vezes postarei material totalmente fictício, frutos da imaginação e talvez um pouco influenciados pelas experiências acumuladas ao longo dos anos.
Distinguir o que é realidade e o que é ficção fica a cargo de cada um.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Jogo da Vida

Futebol. Paixão nacional. Não existe coisa mais importante na vida que a paixão de um torcedor pelo seu clube. Ser torcedor é amar incondicionalmente seu time e embalá-lo nas horas dificeis, pois no momento das vitórias o coração transborda.
Futebol é coisa séria. Tão séria que a escolha do time do coração é para sempre. Se a religião não atende aos anseios da fé, se converte. Se acabou o amor, se separa. Mas o time de futebol não se muda nunca. Não se admitem no mundo viras-casaca. É antiético e imoral. Trata-se de uma responsabilidade enorme que, por óbvio, não pode ser tomada por uma criança. Criança não tem noção da importância dessa escolha. Por isso cabe ao pai indicar o caminho para se torcer para o time certo.
Quando o filho de Silas nasceu, tudo mudou. Era o fim das noitadas em bares, dos gastos descontrolados, da vida desregrada. Era preciso pensar na criação do pequeno Dudu, no seu conforto. E principalmente, era preciso garantir que ele torcesse para o Imortal Tricolor.
Na mesma hora nasceu o neto de Agenor. Seu primeiro neto. Sabia que sua filha e seu genro seriam ótimos pais, mas estava a disposição para ajudar no que fosse preciso. Mas o que afligia Agenor era o fato de sua filha, apesar de Colorada, não conseguir se impor ao seu marido. Agenor era avô há apenas alguns instantes mas já se decidira: o neto que tanto amava seria Colorado, como toda sua família.
Silas chegou no quarto onde sua esposa descansava após o parto com o filho no colo. O parto foi difícil, normal, sem anestesia. Escolha dela. Mas o desgaste e o estresse podiam ser observados em todos os membros da equipe médica ao final. Após nove meses de gestação, o primeiro filho do casal precisou de quarenta minutos para nascer. Natural que quando chegou nos braços do pai estivesse dormindo. Natural também que estivesse embrulhado nas cores do Tricolor.
Agenor fazia companhia à filha quando seu primeiro neto chegou carregado no colo do pai. Não tinha como deixar de se emocionar ao reconhecer no neto s traços de sua falecida esposa. Logo ela que passou os últimos anos de sua luta contra o câncer pedindo a sua filha por um netinho. Na porta de entrada do quarto, para que todos que passassem pelo corredor do hospital pudessem ver, uma bandeira do Colorado indicava o futuro do neto.
Dudu, recém nascido, nos braços da mãe, dormia calmamente. Silas e Agenor encaravam-se, olho no olho. Genro e sogro tinham um bom relacionamento. Costumavam sair juntos para pescar. Até dividiam as mesmas idéias políticas, votando nos mesmos candidatos. Mas eram proibidos de falar em futebol. O antagonismo de seus times e o fanatismo de cada um impossibilitava sequer que ouvissem juntos no velho radinho de pilha à rodada do Campeonato. Agenor mordia o lábio, furioso em ver seu primeiro neto nas cores do Tricolor. Sabia que teria que mudar de tática para derrotar o genro. Enquanto isso, Silas desfilava um debochado sorriso. Sabia que o sogro tentaria algo do tipo. E assim mesmo o sentimento de vitória era tão recompensador.
Impressionava o amor que pai e avô nutriam pelo pequeno Dudu. Mais impressionante ainda a devoção com que duelavam silenciosamente pela definição do time do seu coração. Os meses passavam e Silas não relaxava a vigilância sobre o sogro. A qualquer investida de Agenor para vestir Dudu com as cores do Colorado, Silas sempre aparecia com um novo brinquedo do Imortal Tricolor para reconquistar a atenção do garoto.
Dois anos após o nascimento de seu primeiro filho, Silas foi promovido no trabalho. Certamente que o aumento de salário seria bem-vindo, especialmente em vista dos planos de sua esposa engravidar novamente. Agenor ficou feliz pelo genro – afinal, fora ele quem o indicou para um antigo amigo, que após uma rodada de whisky o contratou. Sua felicidade também transbordava com a expectativa de o genro passar mais tempo na empresa. Assim teria mais tempo a sós com seu neto. Com o neto e com a missão de fazer dele um futuro torcedor do Colorado.
A tarde do sábado de inverno chegava ao fim e Silas dava graças por terminar os relatórios e poder chegar em casa para assistir ao jogo do Tricolor com seu filho Dudu. Sua esposa iria visitar umas parentes que estavam de viagem na cidade. Poderia então ficar a vontade para a partida, sem nenhum tipo de má vibração pela casa. Sentado no sofá, com um cobertor no colo e um cálice de vinho na mão, observava o pequeno Dudu a brincar. As imagens do jogo ainda não começaram a ser transmitidas, por isso o radinho estava sintonizado em AM. Quando o narrador anunciou as escalações e pronunciou o nome do Tricolor, Dudu olhou para Silas e perguntou, com a voz meiga e inocente de criança:
“Pai, eu sou Colorado?”
Silêncio. Era como se todos os sons do mundo tivessem cessado no mesmo instante. As luzes do teto começaram a girar. Pânico. Ouvir seu filho falar sempre foi um prazer para Silas. Mas aquilo era algo catastrófico. Como encarar a vida sabendo que seu filho lhe perguntava aquilo? Silas, já em pé, buscava palavras para falar, mas elas não vinham. Então conseguiu, com a calma mais falsa que já se vira:
“Filho, quem te disse isso?”
“O vô!”
Aquele velho safado. Silas sabia em seus ossos que Agenor não deixaria passar em branco a oportunidade. Quem diabos ele pensava que era? A paranóia foi tomando conta de Silas. Era óbvio. Foi o sogro quem lhe indicara para o emprego. Tudo não passava de uma sórdida armação, um plano meticulosamente calculado no qual se deixou apanhar. Só havia uma coisa a fazer.
Enquanto isso, Agenor servia um copo de seu whisky favorito para assistir ao jogo do rival pela televisão. Seu folgava na rodada, mas fanático por futebol como era, não perderia a chance de secar Tricolor. Dera até uma risada. Sentia que o jogo de hoje guardava uma surpresa. Tudo estava meticulosamente preparado. O ritual que sempre repetia antes das partidas – fossem do seu Colorado, fossem do Tricolor – não podia faltar, jamais. Meia de lã nos pés (“pé frio nunca!”), bandeira sobre a mesa, poltrona reclinada na posição mágica, whisky com o número exato de pedras de gelo. Nem lembrava mais qual a primeira vez que utilizara o ritual, mas lembrava que ele havia funcionado nos últimos títulos. Tudo estava pronto. Sentia que o jogo guardava uma suspresa, o ritual lhe dizia. Luz apagada, televisão muda, radinho de pilhas ligado. O jogo estava prestes a começar. O tão odiado Tricolor entrou em campo. E a surpresa se confirmou.
No estádio, Dudu, todo fardado de Tricolor, entrava em campo de mãos dadas com o craque do time e ídolo dos torcedores. Na beira do campo, Silas abanava para as câmeras de televisão. Quando apareceu em rede nacional, o sorriso em seu rosto dizia tudo.

3 comentários:

  1. meu padrinho fez isso com meus primos.. fiadasputa!

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  2. Tá, mas tu era ou não colorado quando piá?

    hehehehehe


    Thomé

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  3. Nunca fui colorado.
    E quem insistir nisso será censurado.....

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